Por Lucas Renan Domingos -
Em 29/05/2020 às 18:15A confiabilidade dos testes rápidos para detectar o novo coronavírus já era colocada em cheque antes mesmo da chegada das primeiras unidades no Brasil, importadas pelo Ministério da Saúde (MS). Conforme avançaram as estratégias de combate e identificação do novo coronavírus no país, a forma de exame se tornou cada vez mais comum nos municípios. Os testes são considerados essenciais pelos órgãos de saúde para mapeamento ágil de pessoas contagiadas com a Covid-19. Porém, ainda é alvo de questionamentos e dúvidas em relação a sua efetividade.
Pacientes têm relatado resultados desconformes quando são submetidos ao exame. Em uma primeira amostra, o resultado aponta em alguns casos que a pessoa está portando o vírus ou já teve contato com o mesmo. Ao realizar um novo teste, a surpresa: resultado negativo. O contrário também pode ocorrer. São os chamados falso positivo ou falso negativo. Na região Sul de Santa Catarina, em pelo menos três cidades houve casos parecidos: Criciúma, Maracajá e Içara. Nos três municípios, o Portal Engeplus conversou com pessoas que relataram resultados diferentes ao realizarem o exame.
Em Criciúma, a situação aconteceu com a estudante de biomedicina Thamiris Urbano. No dia 13 de maio, ela recebeu a equipe da Secretaria de Saúde do município que está realizando testes aleatórios para pesquisa do novo coronavírus na cidade. Realizou a coleta de sangue e, no dia seguinte, foi notificada que teria positivado para a doença.
“Foi um choque. Eu não sentia nenhum sintoma. A partir daí, tive que fazer uma lista de todas as pessoas que eu havia tido contato. Tenho namorado, convivo com a família dele, moro com meus avós, eu tinha voltado para a academia. Então todo mundo eu estive próxima, eu precisei avisar da situação”, contou Thamiris. A orientação para dada à estudante foi para permanecer em isolamento total por até 15 dias. “Mas neste meio tempo, nenhuma pessoa que tive contato apresentou sintomas. Algumas até realizaram o teste e deu negativo”, lembrou.
Enquanto participava de uma palestra online da faculdade, ainda em isolamento, ela foi aconselhada por um professor a realizar um novo exame, em laboratório particular. O resultado deu negativo. “Eu acredito que o meu caso tenha sido um falso positivo. Não tive nenhum sintoma, as pessoas que convivi também não. Mesmo assim, sigo em isolamento até esta quinta-feira (dia 28). E o pessoal da Vigilância Epidemiológica de Criciúma me acompanha desde o início”, afirmou Thamiris.
Em Içara, o mesmo aconteceu com a balconista Josimara Souza. Após sentir sintomas gripais ela foi encaminhada ao Centro de Triagem da cidade. Lá realizou o exame PCR, quando uma espécie de cotonete é inserido na narina e na garganta do paciente para coletar a amostra. O resultado? Positivo. “Eu sou de São Paulo e estou a pouco tempo aqui no Sul. Não me acostumei ainda com o frio e sempre tenho tosse ou gripe. Quando acontece, tomo remédio ou vacina e passa. Desta vez procurei atendimento para tomar a vacina e acabei sendo encaminhada para fazer o teste, dando positivo. Mas como sempre tenho sintomas de gripe, desconfiei e procurei um laboratório particular. Repeti o exame e deu negativo”, disse.
Ela contestou a Secretaria de Saúde de Içara e pediu uma contraprova, não tendo o pedido atendido. Não contente, realizou um segundo exame particular, também negativo. “E eles não aceitam meus exames. Me notificaram, falaram que se eu saísse poderia ser detida. Me forçaram a ficar em casa, não pude trabalhar e nem sair de casa. Tenho que ficar isolada até o dia 29 de maio”, reclamou.
Os exames de Josimara e a notificação da Prefeitura de Içara
Maracajá suspende testes rápidos
Na cidade de Maracajá, os resultados diferentes para testes dos mesmos pacientes aconteceram com servidores da Departamento de Saúde do município. “Nós testamos todos os funcionários cinco deram positivo. Encaminhamos o mesmo sangue para um laboratório particular. Lá realizaram o exame com um teste de um fornecedor da mesma marca e deu negativo. As amostras foram encaminhadas para São Paulo. Lá também deu negativo”, detalhou o coordenador do Departamento de Saúde de Maracajá, Diogo Copetti.
Maracajá teve recentemente um salto no número de casos. Uma pesquisa do Portal Engeplus mostrou que, nas últimas semanas o município teve acréscimo de 1200% no número de casos confirmados. “Os testes que utilizamos aqui são fornecidos pelo Ministério da Saúde. Mas esses casos nos chamaram a atenção. Pessoas do município relataram situação semelhante. Então a confiabilidade dos exames é precária”, analisou Copetti.Diante do fato, a Prefeitura de Maracajá decidiu suspender o uso dos testes rápidos.
“Como as sensibilidades podem ser diferentes, só vamos utilizar em último caso. Faremos somente o PCR (outra forma de exame para detectar o coronavírus). É mais confiável na nossa avaliação”
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Diogo Copetti, coordenador do Departamento de Saúde de Maracajá
Um relatório sobre os casos também será montado pela prefeitura e encaminhado para a Diretoria de Vigilância Epidemiológica (Dive), para a Gerência Regional de Saúde (Geres), para o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) e para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). “Isso não pode acontecer. Precisamos saber se os testes fornecidos pelo Ministério da Saúde são confiáveis ou se houve problema no lote que chegou até nós. Vai que os testes estavam contaminados?”, questionou.
O que pode ter acontecido?
O médico pneumologista Renato Matos lembra que, conforme o tipo de teste, inconformidades podem acontecer. “O PCR, que é aquele do cotonete, é o nosso teste padrão ouro, podemos dizer assim. Nele, se o resultado for positivo, a pessoa realmente está com o vírus. Se der negativo, as possibilidades são duas: ou a pessoa não está com o novo coronavírus ou houve algum erro técnico na hora da coleta da amostra, o que pode acontecer, gerando um falso negativo”, explicou.
Já no caso dos testes rápidos, existem ainda mais variáveis que podem interferir no resultado do teste. “No mundo há diferentes marcas dos sorológicos, os testes rápidos. E não sabemos a sensibilidade e a especificidade de cada um deles. Não temos uma segurança de qualidade dos exames. Claro, alguns já são colocados como melhores ou piores e os laboratórios estão atentos a isso, mas ainda há bastante dúvidas”, comenta.
Paciente realizando coleta pelo método PCR - Foto: Rafaela Custódio/Portal Engeplus
Segundo Matos, isso acontece por conta da alta demanda de testes rápidos no mundo. “Todos os países estão querendo comprar. Com essa correria, nem todos os exames sorológicos são testados de uma forma padrão ou adequada. Então pode mudar a sensibilidade e qualidade de um para outro”, reforçou. Ele aponta também que os testes rápidos são utilizados para identificar anticorpos, demonstrando se a pessoa já teve ou não contato com o vírus.
“Para dar positivo, precisa um tempo para desenvolver os anticorpos, que são dois tipos: o IgG e o IgM. O IgM, geralmente ele fica positivo do 7º ao 9º dia, então se fizer muito cedo, vai dar negativo, porque não criou anticorpo ainda. E o IgG, uma imunidade mais duradoura, ele vai dar positivo lá para o 14º dia, antes disso, vai dar negativo. Tem prazo para as coisas ficarem positivas e pode haver alguma confusão”, acrescentou.
“Não pode achar que se um exame deu negativo, a pessoa não está com o vírus ou não teve a Covid-19. Porque ao mesmo tempo em que acontecem os falsos positivos tem acontecido também o falso negativo. Eu tive pacientes que tiveram Covid-19, confirmado com PCR, foram internados e o teste rápido deu negativo. Ou não desenvolveu anticorpo ou o teste não teve sensibilidade para pegar. Temos que avaliar caso a caso”
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Médico pneumologista, Renato Matos
Ele acredita ainda que é preciso uma melhor orientação das pessoas sobre o assunto. “Os médicos ainda não entenderam completamente a doença, imagina uma pessoa leiga. Tem que juntar quadro clínico, se fez o PCR e se criou anticorpos. Quando fizer o teste, a pessoa deveria ter um médico que explique isso, falar dessas possibilidades. Hoje a pessoa vai no laboratório, tira o sangue, e sai sem entender. E o que devemos fazer é: tem gripe, febre? Fica isolado 14 dias, independentemente do teste”, completou o pneumologista.
Resposta das prefeituras
A coordenadora do Laboratório Municipal de Criciúma, Andréa Goulart de Oliveira, endossou o que afirmou Matos. Ela confirma que a sensibilidade dos testes rápidos pode interferir no resultado, mas garante que, em Criciúma, os resultados são confiáveis. “Nós estávamos usando no início os exames fornecidos pelo Ministério da Saúde, agora estamos comprando, porque o Governo Federal não consegue fornecer a quantidade necessária. E nós fazemos acurácia dos testes que usamos. Pegamos dez pacientes seguramente negativos e repetimos o exame, reproduzindo o resultado 100%”, frisou Andréa.
A pesquisa em Criciúma já está na quarta etapa e mais de 2 mil pessoas já foram testadas. “Nós até fizemos uma reunião com as técnicas. Definimos que os exames que dão positivo são validados, porque foi identificado o anticorpo”, salientou.
Em Içara, a enfermeira responsável pela Vigilância Epidemiológica, Janaína Prudêncio de Freitas, afirma que será considerado positivado o paciente que sempre tiver pelo menos um exame positivo. Ela afirma que no município a preferência é pelo PCR, mas que testes rápidos também são feitos no Centro de Triagem.
“Mesmo o paciente apresentando um exame negativo, vamos partir do teste positivo. Tanto no teste rápido quanto no PCR a recomendação é aplicar no oitavo dia de sintomas, para ter uma maior assertividade no resultado. Sempre partimos do ponto que um resultado positivo nunca será desconsiderado. Um exame negativo, posso continuar a investigação dependendo do quadro que o paciente ir apresentando”, detalhou Janaína.
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