Por Aderbal Machado - aderbal.machado@engeplus.com.br
Em 25/03/2021 às 07:35Ainda é tempo de comentar o fatídico 24 de março de 1974, quando a região viveu uma das maiores catástrofes, com a virtual destruição de Tubarão e a inundação de Criciúma, com reflexos em toda a região e Estado.
A recordação é nítida: como locutor da Rádio Eldorado, fui designado pelo gerente Antônio Luiz para ajudar os amigos da Rádio Tubá, em Tubarão, na operação de orientação e informação sobre os momentos vividos. Naquele momento ainda não se imaginava o que iria acontecer à noite daquele dia. Fui pra lá de manhã cedinho e, dos estúdios da co-irmã, divulgávamos boletins das situações em vários pontos e recebíamos autoridades para entrevistas, como os comandos militares e o prefeito de então, Irmoto Feurschuette. Dava pra perceber o muito de desespero e heroísmo daquela gente. As notícias eram apavorantes, ante a perspectiva de algo mais grave e nem se sabia o quê.
Perto das dezoito horas, informei que gostaria de retornar a Criciúma, pois estava despreparado para passar a noite lá. A dificuldade era como retornar, sem linhas regulares de ônibus funcionando ou carona. De repente, apareceu um amigo do meu irmão César, que lá trabalhava, que iria pra Criciúma e me ofereceu uma carona. Enquanto andávamos, íamos ouvindo as notícias, pra não perder o fio da meada. Mas ouvíamos a Tubá, apenas.
Entramos em Içara e nos dirigimos a Criciúma. Ao chegarmos é que nos deparamos com a impossibilidade de ir ao centro, pois estava inundado. Então nos apavoramos. Fomos até um trecho mais próximo possível do centro, através da Avenida Marcos Rovaris e dali resolvi seguir a pé, por dentro d'dágua, até a Eldorado. Já entrei lá com água pouco acima da cintura (sede da rádio na Ruy Barbosa, segundo andar). Preocupei-me pois lá embaixo, no térreo, sob as escadas, ficava o transformador de energia. Se a água chegasse ali, haveria uma tragédia. Porém já havia providências para erguê-lo, o que foi feito depois.
Então, na emissora, todos os companheiros a postos, abismados com tudo o que acontecia, transmitindo informações da região inteira, com ajuda dos radioamadores. Antônio Luiz no comando, recebendo e transmitindo, com assessoria dos companheiros.
Foi um trabalho importante e belo, pois em determinado momento só estavam no ar a Tubá e a Eldorado, eis que as demais emissoras tiveram seus sistemas comprometidos e cessaram suas atividades. Depois, quando, à noite, a enxurrada violenta praticamente destruiu Tubarão, só a Eldorado ficou no ar.
E fiquei matutando sobre possibilidades e impossibilidades, se eu tivesse ficado lá, por qualquer razão. Essas coisas não têm explicação.
E então, sem poder sair da rádio por muitos dias, família isolada também, mas sem maiores problemas por residir em apartamento (quinto andar), continuamos operando e prestando serviço.
Há imagens históricas fortes sobre aquele dia e aquele momento. A situação perdurou por muito tempo e a reconstrução marcou um tempo importante na vida de todos.
Choca até hoje ver fotos com imagens de trilhos retorcidos da EFDTC, locais onde haviam muitas casas desertos e, depois, o anúncio de quase 200 mortes e pessoas desaparecidas. Quase todas surpreendidas pela enxurrada, com as águas descendo com violência da Serra e invadindo as margens do Rio Tubarão aos borbotões. Em Criciúma, térreos de prédios, comércios todos e casas invadidas pelas águas, automóveis cobertos em pleno centro e periferias. Danos incalculáveis, sendo o pior deles a perda de vidas, por irreversível.
O impressionante disso tudo foi as pessoas, ao longo do tempo, superarem aquela situação e retornarem à vida com galhardia. Tubarão teve toda uma atenção especial dos governos, retificando o traçado do seu rio para dar mais velocidade à vazão das águas (muitas curvas) e impedir nova desgraça como aquela.
Pena que ainda hoje Criciúma viva o drama de ver seu centro invadido pelas águas a qualquer precipitação pluviométrica um pouco mais forte. O que significa ainda não possuirmos a capacidade de investir no melhor esgotamento pluvial. Muito por culpa da ocupação indevida e desordenada, rebentando com a permeabilidade do solo e bloqueando a passagem dos cursos d'água.
Um episódio marcou bem a gravidade em Tubarão: o comandante do Exército, Válmore Siqueira, assumiu praticamente todas as operações, pois estava havendo saques em supermercados e invasões de residências abandonadas pelas famílias. Ele foi à rádio e anunciou: "Os soldados irão às ruas para impedir o vandalismo e os saques; e a ordem é atirar pra matar". A situação era de guerra e, como por milagre, os saques cessaram. Os momentos de dor tem essas falhas de caráter de muitas pessoas. Veja-se quando há carência de insumos básicos, como água potável, e a exploração que há com os preços indo à estratosfera. O Brasil não é para amadores.
E se faça justiça, por méritos profundos, ao então prefeito Algemiro Manique Barreto, que assumiu o comando total das ações de recuperação e ajuda à população, criando um QG no ginásio de esportes do Criciúma, para onde eram direcionados os donativos e feita dali a distribuição, mediante cadastro de necessitados e famílias, além formação de um grande centro de abrigo de desalojados. Foi o grande baluarte daquele momento difícil. Lembro que, estando eu sempre presente nos locais, eu o via ali, dia e noite, dando ordens e controlando tudo, pessoalmente. Acho que nem dormia.
Um pouquinho de história, pra relaxar: em 1961, quando aqui cheguei e trabalhei na prefeitura, o mano Aryovaldo, então Chefe de Gabinete do prefeito Nery Rosa, me colocou na secretaria de Obras, assessorando o engenheiro Dagoberto Octávio Gaio, buscado em Tubarão, na Rede Ferroviária, para o cargo. Lembro perfeitamente dele, logo ao chegar, pegar um mapa da cidade, colocar no chão e debater a necessidade de canalizar o rio Criciúma, "antes que algo de pior ocorra", disse ele.
Sua ideia e projeto foram ficando pra trás e, afinal, não realizados. E quando perguntaram pra ele sobre o fundamento daquela obra cara, ele sentenciou: "Daqui a 50 anos vocês saberão, se estiverem vivos".
Já se passaram 60 anos e estamos vendo. O mano Aryovaldo e o Nery Rosa devem estar lá, nos confins da Eternidade, com a mão do queixo, pensativos...
Bom relembrar, ainda, por história, as tragédias da década seguinte. Aliás, duas em sequência e com proporções estaduais e graves: as enchentes de 1983 e 1984.
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