Por Redação Engeplus
Em 17/04/2025 às 10:22O paradoxo do descanso digital
Em um mundo onde o acesso ao entretenimento é ilimitado, descansar virou uma tarefa exaustiva. Plataformas de streaming, redes sociais, vídeos curtos, podcasts, newsletters e até jogos competem pela nossa atenção em todos os momentos do dia. O que antes era um momento prazeroso de lazer, como sentar para assistir a um bom filme, hoje exige decisões, comparações, filtros e escolhas — muitas vezes frustrantes. A pergunta que surge é: estamos mesmo relaxando ou apenas nos afogando em conteúdo?
A sensação de que o tempo escorre pelos dedos enquanto pulamos de título em título, incapazes de nos decidir, não é apenas uma impressão. É o resultado de uma nova lógica de consumo digital, onde o excesso não apenas nos cansa, mas também tira a profundidade da experiência.
A economia da atenção e a arte de se perder
Vivemos a chamada “economia da atenção”, em que o recurso mais disputado não é o dinheiro, mas o nosso foco. Cada notificação, cada sugestão de filme “imperdível” ou série “viciante” é um convite (ou armadilha) para mais minutos de tela. As plataformas estão programadas para nos manter dentro do ciclo, com algoritmos que antecipam nossos desejos e nos empurram para mais conteúdos semelhantes.
O problema é que, ao tentar acompanhar tudo, não aprofundamos nada. A sensação de estar sempre atrasado, de que há algo melhor para assistir logo ali, nos impede de realmente mergulhar em uma narrativa, de nos envolver emocionalmente. O prazer de ver um filme passa a ser contaminado por uma ansiedade silenciosa: “Será que escolhi certo?”
Entre a maratona e a culpa
A maratona de séries, que já foi um símbolo de liberdade do consumidor, hoje representa uma forma de fadiga. Quantas vezes assistimos a episódios seguidos apenas por inércia, sem lembrar o que vimos no anterior? O consumo automatizado transforma a experiência em ruído, e o que era para ser prazeroso se torna mecânico.
Além disso, a culpa se insinua. Ao final de horas de tela, o corpo pode estar em repouso, mas a mente está inquieta. “Perdi tempo?” “Poderia ter feito algo mais produtivo?” A experiência de relaxar se transforma em um ciclo de autocrítica e frustração.
Leia também: Cansados até de relaxar? Como o excesso de conteúdo nos faz perder a noção do tempo – e o prazer de assistir filmes
A ilusão da escolha infinita
O catálogo infinito de opções, que deveria nos libertar, nos paralisa. É o chamado “paradoxo da escolha”: quanto mais opções temos, mais difícil é decidir. E quando escolhemos, a decisão carrega o peso de todas as outras que deixamos de fazer. Isso se aplica não apenas aos filmes, mas também aos gêneros, idiomas, plataformas.
Esse fenômeno contribui para uma espécie de dessensibilização. Nada mais impressiona tanto, nada parece suficiente. Passamos a ver filmes já pensando no próximo, sem dar tempo para a história decantar dentro de nós. O imediatismo da cultura digital esvazia o presente.
O prazer perdido na distração
O prazer de assistir a um filme está na imersão — esquecer do celular, da agenda, do relógio, e permitir-se ser tocado pela narrativa. No entanto, com o hábito de fazer tudo ao mesmo tempo, esse prazer se dilui. Quantas vezes você pausou uma cena para responder uma mensagem, checar um feed, ou até jogar um Cassino Ao Vivo enquanto o filme seguia em segundo plano?
Essa fragmentação atinge diretamente a qualidade da experiência cultural. Não absorvemos completamente o que vemos. Perdemos detalhes, nuances, emoções. E, mais do que isso, perdemos o vínculo afetivo com a obra.
Como recuperar o prazer de assistir?
A saída pode estar na desaceleração. Em vez de tentar acompanhar tudo, que tal escolher menos e viver mais cada escolha? Reaprender a ver um filme do início ao fim, sem distrações. Criar rituais para o lazer: apagar as luzes, preparar uma bebida, desligar as notificações.
Outra estratégia é valorizar a curadoria, seja de um amigo, de um crítico, ou de uma plataforma independente. Ao delegar parte da escolha a alguém que entende nosso gosto, evitamos a fadiga de filtrar sozinhos milhares de títulos.
Também vale resgatar o hábito de rever obras. Reassistir a um filme que marcou sua adolescência, por exemplo, pode oferecer uma nova camada de entendimento e emoção — algo que o conteúdo novo, consumido apressadamente, dificilmente proporcionará.
Descansar é um ato de resistência
No contexto atual, relaxar verdadeiramente se tornou um ato quase político. Exige consciência, escolhas conscientes, presença. Não se trata de recusar a tecnologia ou os novos formatos de entretenimento, mas de aprender a usá-los a nosso favor, e não como mais uma forma de exaustão.
Ao resgatar o prazer de ver um bom filme com calma, de se emocionar sem pressa e de mergulhar numa narrativa sem distrações, recuperamos também a nossa capacidade de sentir. E, no fim das contas, não é esse o verdadeiro papel da arte?
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