Ressocialização

Detentos da Penitenciária Sul de Criciúma contribuem com obras estaduais e ganham nova oportunidade

Mais de 430 internos estão trabalhando dentro ou fora da unidade prisional

Por Rafaela Custódio - rafaela.sousa@engeplus.com.br

Em 24/02/2025 às 10:12
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Foto: Rafaela Custódio/Portal Engeplus

Uma nova oportunidade. Assim podemos definir a história de mais de 430 internos da Penitenciária Sul de Criciúma. Atualmente com mil detentos, a unidade prisional é referência em Santa Catarina devido a estrutura e processo de ressocialização, algo fundamental para a reintegração de pessoas que estiveram em conflito com a lei, ajudando-os a se reintegrar à sociedade de forma produtiva e responsável. 

Construir uma nova história e focar no desenvolvimento de habilidades, no fortalecimento de valores e na redução da reincidência criminal é o foco da direção da Penitenciária Sul. O diretor Johnny Cascaes Inacio está há quase dois anos no comando da unidade e explica a importância das atividades, tanto para os internos, mas também para o Estado e sociedade. 

Detento da Penitenciária Sul trabalhando. (Foto: Rafaela Custódio/Portal Engeplus)

“É histórico no sistema prisional o interno fazer serviço. Quando ele entra [na unidade] é feita uma entrevista e informado o que ele fazia, qual serviço e se tinha carteira assinada e o que ele fazia quando era solto. E aqui fizemos um chamamento conforme a nossa necessidade. Então, vamos juntando profissões e fizemos experiências. Mas como eles trabalham na rua, botamos também para ter uma entrevista com a psicóloga para ver se tem condições de estar solto”, detalha. 

Caixa para o canil da PMSC produzida por internos. (Foto: Rafaela Custódio/Portal Engeplus)

Atualmente, empresas possuem fábricas dentro da unidade e os internos também realizam serviços fora da Penitenciária. “Na minha gestão, já foi pintado e realizado serviço de elétrica no prédio da Polícia Científica, colocado no padrão das cores da Polícia Científica. O posto da Polícia Militar Rodoviária (PMRv) de Cocal também passou por obras e o canil da Polícia Militar (PM) de Criciúma está sendo construído pelos internos. Realizamos pintura e reforma de caminhões do Corpo de Bombeiros, que se o Estado fosse pagar uma empresa seriam mais de R$ 200 mil, construímos as caixas para viaturas da PM de outras cidades de Santa Catarina, fizemos a adaptação de contêiner para os salva-vidas de Balneário Arroio do Silva”, elenca. 

Além de obras externas, os detentos também atuam com trabalhos dentro da penitenciária. “Eles estão construindo dentro da unidade também e temos mais projetos de ampliação que serão realizados também por eles. Atualmente, eles estão realizando acabamento, instalação e outros serviços na nova fábrica que será instalada na penitenciária”, afirma. 

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Benefício ao preso 

Com o trabalho, o diretor conta que o interno pode diminuir a pena. “O benefício para todo preso que trabalha, independente, trabalha três dias e ganha um a menos de pena, isso é o básico. Temos fábricas dentro da penitenciária, com isso, nossos internos trabalham nessas empresas, porém não possuem vínculo trabalhista nenhum, mas recebem um salário mínimo. Desse salário, 25% fica para a unidade. Com isso, o valor é pago aos outros internos que prestam serviços como a construção do canil da PM, reformas nos caminhões do Corpo de Bombeiros e obras que temos internas”, frisa Cascaes. 

E se não trabalhar? 

Internos que optam e não possuem o benefício de trabalhar ficam 22 horas dentro de uma cela. (Foto: Rafaela Custódio/Portal Engeplus)

O diretor explica que o interno que não trabalha, passa 22 horas dentro da cela e duas horas de pátio. “Ele fica 22 horas trancado com mais um monte de gente pensando em coisa ruim. Então, eles exercitam o trabalho e ganham essa remuneração. A gente consegue fazer nossas obras de infraestrutura, eles diminuem as penas e, principalmente, conseguem também encaminhar dinheiro para a família”, destaca. 

Os detentos que estão trabalhando não podem cometer faltas ou qualquer problema dentro da unidade, pois podem perder o benefício. “A metade que não está trabalhando se comporta para entrar no trabalho e a metade que está trabalhando se comporta para não sair. Serve também como um controle social aqui dentro. Brigou contra o preso dentro da cela ou no trabalho? São dois internos a menos. Já saem os dois, tem que entrar mais dois”, explica. 

Reparo à sociedade 

Para o diretor, os internos trabalharem também é uma forma de reparar a sociedade pelo dano causado. “Porque a gente está entregando diretamente para a sociedade aquilo de volta. Apesar de estarem presos hoje, uma hora eles vão sair e terão portas abertas na sociedade. É diferente, eles realmente estão devolvendo o que eles fizeram de ruim, estão devolvendo de alguma maneira”, observa. 

Canil da PMSC de Criciúma sendo construído por internos da penitenciária. (Foto: Rafaela Custódio/Portal Engeplus

Todo trabalho realizado pelos internos da penitenciária é importante, mas a construção do canil do 9º Batalhão de Polícia Militar de Criciúma é uma obra impactante para a sociedade e para a segurança pública. 

Os internos iniciaram os trabalhos no dia 1° de outubro de 2024 e devem entregar pronta no mês de março deste ano. “Eles estão nessa situação, estão pagando uma parte da pena também através desse trabalho e estão fazendo o trabalho com qualidade. Além da questão da segurança pública, estamos entregando para cidade um quartel que vai ser referência estadual e talvez nacional pela qualidade que está sendo feito. Além disso, os presos na medida correta estão pagando um pouco também, fazendo essa retribuição para a sociedade pelos crimes que cometeram”, observa o capitão Giovanni Fagundes dos Santos, comandante da Companhia de Policiamento e Apoio Especializado (CPAE).

Eles trabalham de segunda a sexta-feira e toda a logística é realizada pela Polícia Militar. “Temos policiais que vão busca-los na penitenciária por volta as 7 horas e eles passam o dia trabalhando. Fazem as refeições também na Companhia, mas a comida é a mesma do presídio e no final do dia levamos eles novamente à unidade. Temos um policial militar que acompanha todo o trabalho e a rotina desses homens”, explica o capitão. 

“É importante ressaltarmos que não estamos passando a mão na cabeça de ninguém. Neste momento, nesta fase da vida deles, eles estão fazendo um bem para a sociedade. O que eles fizeram, não quero saber. Nos interessa é daqui para frente. A obra que eles estão fazendo é de uma qualidade absurda e eles precisam entender que podem se tornar pessoas melhores” 

Capitão Giovanni Fagundes dos Santos, comandante da CPAE.
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O promotor de Justiça, Jadson Javel Teixeira, da 5ª Promotoria de Justiça da Comarca de Criciúma, ressalta a importância do trabalho e também de mostrar aos internos os caminhos corretos. “Digo que um dos elementos para você praticar crime são aqueles valores distorcidos que você está vivendo na fase da sua vida. Algumas pessoas acabam não mudando os valores, não saindo desse jeito de viver. Costumo dizer que são aquelas pessoas que dão muito valor à questão material, à ostentação e também à questão de ter as coisas de forma fácil. Um dos requisitos para você ser criminoso é você ser preguiçoso. Porque, obviamente, trabalhar, se qualificar, estudar, ter conhecimento, a caminhada é muito mais trabalhosa. E quando as pessoas cometem crime por causa desse perfil e vão lá para um prisioneiro cumprir sua pena, não é simplesmente tirar a sociedade para parar de incomodar”, observa.

Teixeira destaca a importância de oferecer uma oportunidade ao interno. “Muito mais do que reduzir a pena através da remissão, é oportunizar outra visão da vida, mostrar que trabalhar dignifica o homem, que trabalhar faz bem para a mente, que trabalhar é o caminho correto para todo mundo. A gente tem que, através do próprio esforço, adquirir o nosso sustento. E essa caminhada é muito mais do que apenas adquirir lá o dinheiro para o pecúlio”, acrescenta. 

Internos trabalhando na cozinha na preparação das refeições servidas na unidade. (Foto: Rafaela Custódio/Portal Engeplus)


Para o promotor, ocupar a mente também faz parte do processo. “Imagine a pessoa que está segregada, presa na cela com apenas algumas horas de sol e não trabalha, não faz nada, fica o dia inteiro ali, pensando o quê? Que está afastado da sociedade pelos seus erros que cometeu, aquela mente dele de praticar crime continua a mesma e ele só acaba piorando ainda mais a forma de pensar no mundo. Sai mais revoltado, sai com o mesmo pensamento de que ele cometeu os crimes”, comenta.

A empresa Esaf possui fábrica na penitenciária, dedicada à fabricação de esquadrias de alumínio. Além da unidade de Criciúma, a empresa conta com trabalho de detentos nos Estados de Pernambuco e Amazonas.

Entrada da Penitenciária Sul de Criciúma. (Foto: Rafaela Custódio/Portal Engeplus)

“A parceria começou com a Penitenciária Sul em 2013. Na época, pela falta de mão de obra, percebemos que há, sim, muita mão de obra qualificada dentro das unidades. É importante frisarmos que já contratamos internos que deixaram a penitenciária e hoje trabalham conosco”, conta o diretor-superintendente, Michel Fornasa.

Atualmente, 229 internos atuam na fábrica da Esaf dentro da penitenciária. “O controle de horário, comportamento e mão de obra é um exemplo para o país. Realmente é muito bom. Além disso, conseguimos manter esses internos ocupados. Assim não estão pensando bobagem e, principalmente, aprendem uma profissão, aprendem a valorizar o dinheiro que recebem e ajudam a família”, destaca.

Quem são os internos? 

Com mais de 430 internos trabalhando, a unidade tem se destacado por inúmeras atividades. João* está há 11 anos na Penitenciária Sul e trabalha há seis meses. “A melhor alternativa que me aconteceu. Trabalhei por sete anos na oficina dentro da unidade, mas voltei a trabalhar há seis meses com lavação automotiva e serviços de estofaria. Pedi a oportunidade, mas apenas este diretor acreditou em mim e me deu um voto de confiança”, conta. 

O interno ressalta que seguiu caminhos que não agradavam seus familiares e a sociedade, porém está buscando ser uma pessoa melhor e um profissional qualificado. 

Pedro* está há 11 anos preso e trabalha há oito na penitenciária. Ele já trabalhava com solda na rua e atua com as caixas dos veículos como para a viatura do canil. “Já passei por sete unidades e a Penitenciária Sul é a melhor que estive para quem quer se ressocializar. Para a minha família, é um orgulho, pois entendem que estou trabalhando, recebendo uma oportunidade e estou com uma profissão”, descreve. 

 

Carlos* ressalta que sair da unidade e poder ver coisas simples, como o sol, o céu e até mesmo os carros, é algo diferente e traz uma sensação de liberdade. “Estar trabalhando é muito importante. Quero sair da unidade e reconstruir minha família, voltar a trabalhar e seguir a vida. Sei que errei, porém, estou buscando melhorar diariamente. Errar todo mundo está sujeito a errar, mas continuar é burrice. Estamos enxergando o mundo de outra maneira e precisamos focar no futuro”, afirma. 

Manoel* sempre trabalhou como mestre de obras, mas acabou se envolvendo com o crime. Preso há cinco anos, ele ressalta a importância de receber confiança da direção para trabalhar. “Terminei de estudar dentro da unidade. Fiz o ensino fundamental e médio dentro do sistema prisional. A oportunidade é ofertada, mas é preciso querer. Quando estou trabalhando, não percebo que sou um detento, me sinto bem. Espero cumprir minha pena e voltar para a família. O crime não compensa. Independente do quanto você fuja, um dia vai cair”,  destaca. 

A ressocialização dos presos da Penitenciária Sul, através do trabalho, tem se mostrado um importante passo na reintegração dos internos à sociedade. “Com mais de 430 detentos envolvidos em atividades, a unidade se transforma em um ambiente de aprendizagem e superação, com a certeza de que o trabalho digno não só ocupa a mente, mas também prepara para o futuro. Embora o caminho seja longo e os desafios sejam grandes, as experiências vividas dentro da penitenciária são, para muitos, a última chance de recomeçar. O exemplo de quem, com esforço, busca reconstruir sua trajetória, serve de inspiração para todos, demonstrando que a recuperação e a reintegração são, sim, possíveis”, pontua o diretor da Penitenciária Sul.

*Os nomes utilizados na matéria são fictícios para preservar a identidade dos envolvidos. 

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