Destino

Um paraíso chamado Farol da Solidão

Seja para pescar ou para se divertir, eis um lugar simples mas com uma aura especial

Por Denis Luciano - denis.luciano@engeplus.com.br

Em 20/02/2017 às 07:30
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Foto: Denis Luciano

Pode ser que o Wagner e o Silvano, que nem se conhecem e moram a 250 quilômetros um do outro, se encontrem por lá. E quem sabe o Sílvio também. Um levou o sogro para relaxar. Outro, pesca com frequência naquele mar gelado. O terceiro, compra para revender. Todos eles tem em comum o Farol da Solidão como destino.

“Ele é o paraíso dos pescadores”, define Wagner Ortolan, 35 anos, pescador e morador de Içara. “Isso aqui é uma tranquilidade só”, enfatiza Silvano da Silva Piuco, 39 anos, o animado industriário e pescador amador da foto acima e residente em Gravataí, na Grande Porto Alegre. “Conheço faz vinte anos. E a vida não mudou muito esse tempo todo ali”, relata Sílvio Silvino das Neves, 53 anos, o ex-jogador Sílvio Laguna, que defendeu o Criciúma entre 1983 e 88. “Mas comecei a ir lá para descansar e pescar depois que larguei o futebol”, diz.

Uma conhecida
vila de pescadores

O Farol da Solidão é uma pequena vila de pescadores localizada a 8 quilômetros, em estrada de chão, da BR-101, na altura do município de Mostardas, no litoral do Rio Grande do Sul. “Tem umas 700 casas aqui”, diz, com certo tom de entusiasmo e um tanto de exagero, o comerciante Mário de Quadros, 72 anos, que deixa a sua cidade, Gravataí (a mesma de Silvano), de novembro a março para faturar uns trocados no mercadinho que mantém na localidade, um dos quatro estabelecimentos comerciais a servir a região com os gêneros básicos.

Não são apenas o Wagner e o Sílvio que saem da região de Criciúma para pescar na Solidão. São muitos os que encaram o caminho de cerca de 300 quilômetros. E o mais curioso: conforto não é exatamente o ponto alto do lugar. As casas são simples, de madeira, com fogões a lenha, sem água encanada e várias delas sem eletricidade. “É um lugar bom demais para descanso, muito divertido ir para lá com os amigos e ficar mais à vontade. É uma praia isolada e com pouca gente”, acentua Sílvio Laguna. 

Tem gente de conta bancária recheada que, mesmo podendo frequentar balneários mais cotados, opta por bons dias de lazer na Solidão. “Mas ali adiante tem uma pousada, com uns 15 apartamentos, energia, água quente e até internet”, aponta Silvano, que já hospedou-se algumas vezes no espaço mais novo, mostrando os ares de modernidade que vão chegando ao lugar. Porém, o núcleo da vila é das ruas de areia úmida e solada, sem calçadas, com as chaminés fumegando nas casinhas e carros, muitos, dos mais novos aos antigos, muitos tracionados, pipocando onde é possível estacionar.

Água?
Só de poço

“É salgadinha”, reconhece o comerciante Mário. Na esquina próxima ao seu mercado, uma placa oferece o serviço de perfuração de poços artesianos. “Tem que cavar bastante para arrumar água boa, mas a gente consegue”, salienta. Enquanto atende a reportagem diante do seu comércio, Mário ajuda a testemunhar duas cenas do bucólico cotidiano. “Seu Mário, me ajuda a tirar o carro dali?”, pediu o estudante Gustavo Teixeira, 24 anos, enquanto seu Gol patinava na areia fofa da rua. Lá foi um vizinho com a caminhonete provida de tração para puxar o carro de Gustavo. Enquanto isso, um casal de namorados passeava ali adiante, ladeado por quatro gansos. “Sim, tem muitos desses bichos aqui”, conta Mário.

Pesca descontrolada
reduz safras

Mas o Farol da Solidão não é somente para descanso e passatempo. Tem negócios também. E o peixe é o que mexe a economia. Mas trata-se de um mercado que já foi bem melhor. “Há uns dez anos, eu lembro de ter pescado 900 quilos em três dias. Hoje, se a gente pegar bem, chega a uns 300 quilos no máximo”, lamenta Wagner. A reclamação é geral, e a desculpa está na ponta da língua. “É muita pesca predatória. Passam esse barcos grandes aqui na costa arrastando tudo”, lamenta Silvano. “A quantidade era bem maior, mas a diversidade segue sendo a mesma nos vinte anos que eu vou na Solidão”, confidencia Sílvio Laguna. “Lá a gente pesca papaterra, pescada, linguado e a tainha, que diminuiu muito”, detalha o ex-jogador do Tigre.

Os mais antigos na Solidão confirmam a crise. “Faz 30 anos que estou aqui, e tem cada vez menos peixe. Mas ainda temos peixe bom aqui”, ameniza Mário. O velho comerciante observa, ainda, a diminuição do número de visitantes. “Tem muita casa vazia pra alugar aqui, mesmo baratinha, com R$ 25 em média por pessoa de diária”, barganha. Proprietário de alguns imóveis na Solidão, Mário lembra que, em outros tempos, as residências estavam lotadas em fevereiro. “Ainda assim, uns 70% dos que vem pra cá nessa época são visitantes de fora”, contabiliza, citando que 30% das centenas que encaram a praia são moradores de Mostardas ou municípios vizinhos, ou ainda os nativos.

Do asfalto a 
um caminho de terra

Para quem sai de Criciúma, há apenas oito quilômetros de estrada de chão para chegar na Solidão, justamente os últimos oito, que ligam a BR-101 gaúcha ao centro da vila. É um trecho arenoso, onde em determinados pontos é necessário acelerar no tempo certo para não atolar. Mas, em geral, é um acesso razoável. “Sou do tempo em que não havia asfalto de Capivari do Sul em diante”, recorda Sílvio Laguna. Eram 80 quilômetros de areia e lama. “Uma vez, fiquei atolado com o caminhão cheio de peixe. Eram umas onze da noite, e só restava esperar. Lá pelas quantas, veio aquela luz sacolejando na estrada no meio da areia. Era um trator. Me salvou e eu presenteei o amigo com uma caixa de peixe”, diz Sílvio, aos risos.

Mas as dificuldades não parecem abater nem inibir os pescadores, seja os profissionais, seja os de ocasião. “É uma praia democrática, simples, rústica, com muito peixe na mesa e esse cheiro de mar”, define Silvano, antes de voltar para entregar o sogro às lides do comércio que a família mantém em Gravataí. “Descobri com amigos, e nunca mais deixei de ir. Há um mês, dei sorte e pesquei cem quilos de tainhota em dois dias. Espero repetir agora”, anuncia Wagner, que já se prepara para mais uma semanada na Solidão. Muito peixe consumido por aqui vem de lá. “Independente da estação, vamos lá buscar peixe. O inverno é terrível, muito vento e perigoso no mar, Mas continuamos tendo a Solidão como fonte”, enaltece Sílvio Laguna.

Lugar simples, com
muito afeto

Com tantos desafios impostos pela natureza, é o lado humano que ameniza o cenário do Farol da Solidão. “É um povo que nos recebe tão bem que, se precisar eles nos entregam o cobertor deles, e não nos deixam ir embora”, define Wagner. Logo, não é por frio nem por falta de aconchego que a vila deixa de ter visitantes. O tempo parece correr em outro tempo, sem a celeridade das cidades, sem o ruído das máquinas, sem a fumaça da poluição. E com o compasso do já velho farol, referência da antiga praia, sinal para os navegantes, que toda noite brilha em direção ao alto mar indicando que a costa está ali. E anunciando que, no dia seguinte, tudo começará de novo. Em paz.

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