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As diferentes perspectivas e os relatos sobre o crescimento da população em situação de rua em Criciúma

Portal Engeplus esteve em principais pontos utilizados por pessoas em situação de rua

Por Jessica Rosso Crepaldi - jessica.rosso@engeplus.com.br

Em 07/11/2024 às 17:20
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Foto: Jessica Rosso Crepaldi/Portal Engeplus

São 14 horas de uma quarta-feira. Em menos de meia hora foram cinco pessoas em situação de rua avistadas caminhando a passos largos pela avenida Centenário, no bairro Pinheirinho, em Criciúma. 

O cenário tem sido o mesmo ao longo dos anos e por algum motivo se intensificou. Algumas pessoas relatam que a forte presença deles tem sido sentida nos últimos dois anos, enquanto outras há cerca de um mês. 

A movimentação crescente da população em situação de rua tem chamado a atenção nas paradas de ônibus, na frente de lojas, nos semáforos, nos terrenos baldios, mas principalmente na região dos trilhos, local conhecido pelo comércio de drogas naquela localidade. 

Pessoa em situação de rua. (Foto: Jessica Rosso/Portal Engeplus)

Portal Engeplus esteve nos principais pontos utilizados por eles e verificou de perto um pouco dessa rotina. Além disso, conversou com essas pessoas que fazem parte desse grupo que está em situação de rua. E ouviu relatos de moradores de diferentes localidades, comerciantes, e também falou com autoridades para trazer para você leitor visões diferentes sobre um assunto que já dura décadas no município.

Vale ressaltar que durante essa reportagem foram ouvidas teorias sobre de onde essas pessoas vêm e para onde vão e por qual motivo. O fato é que há quem se adaptou a realidade de viver nas ruas ou de conviver com quem está lá, outras pessoas buscam uma solução para um problema social, enquanto outras ainda, não se importam. São várias perspectivas que você confere a partir de agora. 

Por medo de retaliação ou motivo pessoal alguns entrevistados solicitaram que não fossem identificados nesta reportagem. 

Aumento de 20% em 60 dias

Jamil Ahmad Allan assumiu a Secretaria de Assistência Social e Habitação de Criciúma no dia 5 de novembro deste ano. Ele já trabalhava como assessor na pasta, mas foi exonerado pelo ex-prefeito interino Ricardo Fabris, ficando afastado por um período. Mesmo longe da secretaria, recebeu relatos de que uma movimentação mais intensa de pessoas em situação de rua estava ocorrendo na cidade.

De volta ao governo de Clésio Salvaro, e recentemente na posição de gestor da pasta, agora, ele busca entender a situação. Segundo Jamil, Criciúma soma cerca de 280 pessoas em situação de rua. De cada dez, oito são homens. Nos últimos 60 dias esse grupo cresceu em torno de 20%.

“Temos que fazer um diagnóstico para saber qual é o problema, de onde estão vindo, o porquê estão vindo, se tem alguém que está encaminhando. Criciúma é referência nacional em tratamento de pessoas em situação de rua. Enquanto eu estava como assessor, toda semana recebíamos uma ligação de uma cidade diferente, de um estado diferente, perguntando o que a gente faz".

 

Jamil Ahmad Allan, secretáriode Assistência Social e Habitação de Criciúma.(Foto: Jessica Rosso Crepaldi/Portal Engeplus)

Segundo o secretário, a pasta focará ainda este ano em realizar o trabalho em conjunto com a Polícia Militar (PM) e Defesa Civil nas abordagens. “Temos que ser pontuais e fazer os encaminhamentos corretos”, afirmou. 

Comércio prejudicado

Uma comerciante, que preferiu não se identificar, relatou que a postura de alguns moradores de rua tem causado o afastamento dos clientes da sua loja. 

“É uma situação complicada, porque a cada dia que passa, vai chegando mais e mais deles. E a gente fica constrangida, porque quando as pessoas estacionam para entrar no comércio, eles já abordam”.

Pessoa em situação de rua caminhando na avenida Centenário. (Foto: Jessica Rosso/Portal Engeplus)

Segundo a comerciante, no fim da tarde a movimentação dos moradores de rua cresce ainda mais. “É uma cena de terror aqui. Eles ficam andando por todos os lados. Eu não sei para onde eles vão e de onde eles vêm, mas chega fim de tarde fica impossível estacionar", pontuou. 

Ela contou ainda que a situação se repete há mais de 20 anos no seu estabelecimento. “Começa a vir o policiamento, eles fazem ronda, estacionam e dá uma calmada. A polícia vira as costas e eles começam a vir. É impossível pegar um ônibus no horário entre 18 e 19 horas, porque eles ficam sentados nos bancos das paradas esperando alguém chegar para abordar”, afirmou. 

Com as abordagens frequentes, ela relatou que as pessoas estão utilizando mais veículos por aplicativo por conta da insegurança nas ruas e do transporte público. “Uma mocinha vindo do colégio à noite que vai descer na parada de ônibus, por exemplo, alguém tem que vir buscar, porque não tem condições de descer na parada sozinha”, relatou. 

A entrevistada comentou que já viveu uma situação tensa em que precisou chamar a polícia por conta de um morador de rua muito alterado. “Ele ficava andando, xingando e jogando pedras em carros. Todo mundo precisou chamar a polícia naquele dia”, pontuou. Ela afirmou ainda que diariamente percebe a chegada de pessoas em situação de rua que não são da cidade, e pede que algo seja feito.

“O Centro POP (Centro de Referência Especializado) ou a Casa de Passagem poderiam ser colocado em outro local, porque já ficou tanto tempo aqui. Sei que totalmente não vai acabar, mas pode amenizar. Acho que nós do Pinheirinho, um bairro antigo e promissor como é, temos o direito de crescer um pouco, de ficar um bairro mais bonito, tem vários colégios aqui e as crianças poderiam andar a pé”, afirmou.

Vídeo: Estefany Bongiolo/Portal Engeplus

O secretário de Assistência Social e Habitação de Criciúma Jamil Ahmad Allan, explicou que a presença  maior das pessoas em situação de rua na região do bairro Pinheirinho se dá por conta dos pontos de droga, mas que o governo está em transição e a nova gestão estudará mudanças de localidade dos equipamentos a partir de 2025.

Ele ainda pontuou que a Casa de Passagem não atende apenas pessoas em situação de rua. "Não adianta tirarmos a República (Casa de Passagem), porque nem todos que estão lá são dependentes químicos, tem gente que é migrante, que é trabalhador, que está trabalhando”, detalhou.

Segundo o tenente-coronel da Polícia Militar de Santa Catarina (PMSC) e atual comandante do 9º Batalhão de Polícia Militar de Criciúma (9º BPM) Mário Luiz Silva, a região do Pinheirinho tem a maior população de pessoas em situação de rua do município, e que isso não se dá apenas por conta da localização dos instrumentos públicos. 

“O tráfico de drogas na região dos trilhos é muito mais intenso em virtude de uma arquitetura urbana construída de forma desordenada. Nós temos um número muito grande de dependentes químicos lá, que se aproveitam desse ambiente de ter a assistência social para eles e a facilidade de comprar, de adquirir entorpecente naquele local”.

Tenente-coronel Mário Luiz Silva, comandante do 9º BPM (Foto: Jessica Rosso Crepaldi/Portal Engeplus)

No entanto, a forte presença dessa população de rua não significa que o bairro Pinheirinho é o mais afetado. O comandante explicou que é possível ver a mancha criminal dessa população de rua saindo daquela região, que é o epicentro, e irradiando para outras regiões da cidade. “Temos muitas ocorrências na região da Santa Bárbara, muitas na região central e Rio Maina”, afirmou. 

Furtos e roubos 

Ainda no bairro Pinheirinho, em um outro local, um vendedor que não quis ser identificado relatou que precisa ficar atento aos itens dispostos na faixada da loja. 

“É muito morador de rua, se não ficar de olho eles mexem, levam embora e o cara não vê. Todo dia tem gente diferente, homem, mulher. Eles chegam nos clientes e pedem dinheiro ou lanche, mas eles nem comem, já vão vender. Às 17h30 tu vê eles em grupos de seis, sete, uma fila”.
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Vendedor de estabelecimento

Em uma sala comercial que vende comida, duas pessoas em situação de rua adentraram pouco depois que a reportagem saiu. No espaço, o atendente que também não quis se identificar, mencionou que a cada minuto do dia entra uma pessoa para pedir dinheiro, cigarro, cachaça ou 'moeda de troca', como dizem. No dia da entrevista, ele relatou que já havia conversado com dois novatos que chegaram na cidade naquele mesmo dia. 

O atendente disse que a situação nos últimos dois anos tem piorado, e por conta disso, muitas pessoas estão entregando as salas comerciais e se mudando para outras partes da cidade. 

“A pessoa está aqui consumindo no ambiente, querendo ou não, o mau cheiro deles atrapalha imensamente. Tem gente ali que está duas, três semanas sem tomar banho. O cliente está aqui consumindo, tomando um refrigerante, comendo um salgado e eles entram. Se a gente não ajudar, eles vão no cliente, e para nós é ruim. Tem cliente que já falou que não vem mais aqui pelo movimento que está, pelo bairro, pela segurança que não tem, e deveria ter”, afirmou.

O atendente falou ainda sobre situações que já presenciou como, por exemplo, crianças se assustando com a aproximação rápida dos moradores de rua, e que se tornou rotineiro as tentativas de roubo no estabelecimento e o desconforto de ter que lidar com a situação. 

"Não negamos água. Uma bolachinha sim, mas não vou dar sempre. A gente tenta ajudar um pouco. Entrou em cinco, seis, é para roubo, a gente já sabe. É olho no gato e no peixe”
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Atendente de estabelecimento

O tenente-coronel Mário Luiz Silva explicou que cerca de 70% a 80% dos casos de furtos em Criciúma são praticados por pessoas em situação de rua. Embora os crimes que mais se destacam em questão de índices são os de grande delitos, que envolvem violência, ameaça, homicídio, entre outros, são os pequenos delitos, que tem causado grande preocupação para os gestores de segurança pública. 

“A grande maioria desses pequenos delitos são cometidos por população de rua. Mas não por toda a população de rua, mas por aquela que está em alto nível de dependência química que perambula dia e noite procurando oportunidades para subtrair algum bem e trocar esse bem, comercializar e adquirir o seu entorpecente”
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Tenente-coronel Mário Luiz Silva, comandante do 9º BPM

Segundo o comandante, algumas ocorrências são clássicas dessa população. Ele descreveu que a primeira delas, é quando entram no estabelecimento comercial para realizar um pedido de comida ou dinheiro. Esse pedido é feito para os atendentes ou para as pessoas que frequentam, porém beirando uma extorsão.

A segunda ocorrência é o furto mediante arrombamento, comum em períodos em que o ambiente não está guarnecido durante o dia, mas sendo mais comum durante a noite. “São aqueles arrombamentos em que arrebenta a porta, o portão, para levar uma bicicleta, um bujão de gás, algo que está dentro da residência”, detalhou. 

A terceira ocorrência clássica são os furtos de fios de energia elétrica. ”É um objeto que pode ser pequeno, um metro, dois metros de fios, mas isso causa um transtorno muito grande para a sociedade. Um metro de fio inviabiliza uma residência, uma empresa, um comércio, uma rua toda, um bairro que fica sem energia. Isso está sendo um problema bastante grave, furto da rede pública ou furto privado", pontuou. 

O comandante ainda afirmou que há poucas ocorrências registradas em que as pessoas em situação de rua são vítimas, mas que quando a Polícia Militar (PM) é acionada, normalmente é por conta de agressão. 

“Outro dia estava trabalhando com as equipes de serviço e me deparei com um caso, morador de rua, dependente químico, havia sido severamente agredido, bastante lesionado, e naquele momento, uma guarnição já estava aguardando a chegada do Samu, do Corpo de Bombeiros, para conduzi-lo ao hospital. Os ferimentos eram significativos. Nesse caso, ele havia praticado um furto e foi agredido. Quando nos deparamos com ocorrências em que moradores de rua são vítimas, via de regra, vamos assim dizer, são vítimas de crimes contra o patrimônio, que se revoltam contra essa população, e passam a agredir”, finalizou.

Sulivam Augusto Pedroso Gonçalves (Reprodução de Vídeo: Estefany Bongiolo/Portal Engeplus)

Perdi minha família perante as coisas ruins do mundo e cheguei ao ponto de ficar na rua”

Muitas pessoas não sabem, mas esse é o motivo que levou Sulivam Augusto Pedroso Gonçalves, natural de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, a morar nas ruas.

Sulivam contou que gosta de Criciúma, mas que cada dia é uma luta pela sobrevivência. Em entrevista, ele afirmou que a forma como os moradores de rua são tratados nas ruas fazem com que sintam ódio. 

“Nos acordam no chute, espancando, ficamos até com medo de dormir, nos escondemos, porque nem todo mundo é errado, e eles tiram (sic) qualquer um para errado (sic), porque estou vestido assim", pontuou. 

Sulivam explicou que muitos moradores de rua se sentem afetados pelo preconceito, mas principalmente pela violência física causada. Ele descreveu a sensação como desprezo. “Cria ódio e dá raiva. Eles acham que me bater, levar minhas coisas para um canto e queimar, eles vão crescer em cima disso. Cria mais ódio em nós. Por isso que a maioria sai roubando, porque cansou de pedir. Hoje fui pedir e um segurança me esculachou. Daí pedir não pode? Tem que roubar então. Ele me mandou embora”, afirmou. 


Carregando uma enxada, o morador de rua oferece serviços de limpeza por toda a cidade, mas mesmo quando está em busca de um trabalho, como capinar um pátio ou limpar uma rua, não se sente valorizado. “Eles dizem: vou te dar uns cinco pila e tu faz para mim. Pô, eu sou ser humano igual você senhor, me alimento. É complicado”, disse. 

Sulivam disse ainda que conheceu outros moradores de rua que também perderam tudo e acabaram na mesma situação. Ele também disse que mostra o rosto e fala por quem não quer se expor, como é o caso de um jovem de 21 anos, que aceitou falar, mas sem ser identificado. Natural de Criciúma, ele já foi morador de rua mais de uma vez, sendo que a última foi por cerca de cinco meses, tendo voltado a morar com a família há um mês.

Pessoa em situação de rua (Reprodução de Vídeo: Estefany Bongiolo/Portal Engeplus)

O jovem criciumense detalhou os perigos diários de morar nas ruas. “Eu dormia em um lugar bem ruim, o cara nem dorme, tipo (sic), dorme e acorda, com medo toda hora, já roubaram meu celular, já roubaram dinheiro, os próprios moradores de rua, porque é uma selva, é um negócio, tipo (sic), são todos uns animais, a gente corre risco de vida, porque os caras são bem loucos, eles vêm com faca, com o que tiver na frente, e várias coisas, e tem a pressão, a sociedade também julga bastante”, pontuou. 

Segundo o criciumense, a maioria das pessoas que mora nas ruas acaba se viciando com drogas. “Eu não usava, nunca fumei crack, nem nada de nenhuma droga pesada, eu me virava na rua, nunca pedi comida, já procurei no lixo, mas nunca pedi. Eu vinha no Centro POP, vendia batatinha na rua, bala de goma, fazia 'meus corres' (sic)", afirmou.

Sobre ir para as ruas ele comentou que não se trata de uma escolha. "Eu não decidi ir para a rua e ter essa experiência, foi algo que aconteceu, cada um tem uma reação e eu tive a minha”, pontuou.

Para o jovem, cada pessoa que está na rua enfrenta algo dentro de si próprio. “Hoje eu estava vindo pra cá, e vi um cara dentro do ônibus, fedendo, e eu fiquei pensando ‘que vida’. Mas, cada um tem a sua, a sua escolha. Tem um bagulho (sic) que eu aprendi, tipo assim (sic), que eles são vítimas deles mesmos, tá ligado (sic)?Porque eu também tenho meus vícios, tenho meus monstros para enfrentar, cada um tem o seu. Só que, olha lá o que que vem ali (uma moradora de rua com uma aparência precária se aproxima de nós). É uma energia pesada, é algo tanto espiritual, quanto carnal. É uma pira bem louca (sic). O cara quase morre. Tô falando (sic)”, afirmou. 

O jovem dormia no Centro de Criciúma, mas enquanto morava na rua, sempre se esforçava para manter uma boa aparência. “Eu nunca deixei ninguém do meu ciclo, quem me conhece, saber […] Não me deixava cair (sic), eu sempre vendia uma balinha aqui, um negócio ali, pra ter um dinheirinho, sempre cortava o cabelo. Ficar assim [apontou para outro morador de rua] para mim já é decadência, o dia que eu chegar assim eu acho que eu me mato”, pontuou.

O criciumense disse ainda que acredita que os moradores de rua são vítimas do próprio sistema e de si próprios. “O governo lucra com isso e eles [os moradores de rua] não têm mais nada a perder. Os caras (sic) se revoltam, porque  vão pedir um negócio e as pessoas reclamam, julgam, é preconceito. A sociedade tem muito preconceito, e tem que parar um pouco com isso, tem que se colocar um pouco mais no lugar do próximo, porque ninguém quer estar na rua, ninguém quer estar morando na rua, usando droga, fazendo um monte e apanhando na cara, sendo oprimido, sendo julgado, tá ligado? Ninguém gosta disso, mas às vezes é aquilo ali que tem, entendeu? Porque falta uma família estruturada, falta um apoio de um amigo, até qualquer coisa até um conselho, às vezes um bom dia já faz diferença”, finalizou. 

O tenente-coronel Mário Luiz Silva afirmou que a grande maioria da comunidade de rua é composta por dependentes químicos, que praticam delitos, e que essa população nessa condição aumentou. “Isso não é uma peculiaridade de Criciúma, isso é um fato social dos grandes centros, das grandes cidades, do todo estado, de todo país. Precisamos de uma solução sem soma de dúvida, alguma medida tem que ser tomada, não dá pra ficar simplesmente dizendo, 'eles estão lá sem fazer mal a ninguém', ‘isso não causa problema algum’, causa, isso causa”, afirmou.  O comandante falou ainda do seu ponto de vista, o que poderia ser feito em relação a essas pessoas em condição de rua. Confira no vídeo:

Tenente-coronel Mário Luiz Silva, comandante do 9º BPM. (Vídeo: Jessica Rosso Crepaldi/Portal Engeplus)

Movimentação intensa na região do trilho

(Foto: Jessica Rosso Crepaldi/ Portal Engeplus)

O Portal Engeplus foi até um dos lugares mais movimentados e que recebe moradores de rua todos os dias: a região do trilho, no bairro Pinheirinho. Nas margens da ferrovia, uma das moradoras, que também não quis se identificar, contou que reside desde criança próximo à estrada de ferro. 

Ela comentou como lida com a movimentação intensa nos trilhos. “Eles não me incomodam, mas incomodam outras pessoas. Para mim é tranquilo, nunca me incomodaram. São moradores de rua e a maioria não são daqui. Eu conheço quem mora aqui e quem não mora”, afirmou. 

A moradora relatou que quando é abordada pelas pessoas que frequentam o trilho, geralmente recebe pedidos de comida, mas não se sente incomodada com isso. “Acho que dar um prato de comida para alguém não vai incomodar”, disse. Questionada sobre a segurança, ela comentou que já chegou a ficar 15 dias fora, e nunca teve problemas.  

Medo de perder a casa

Foto: Estefany Bongiolo/Portal Engeplus

A moradora disse que já ouviu falar sobre a possibilidade de perder a casa por conta do problema causado pela movimentação intensa nos trilhos e deu sua opinião sobre o assunto.

“Não vai resolver, porque quem vai sair vai ser nós, os moradores e eles vão ficar. Eu amo morar aqui, tem preconceito, tem, mas eu amo morar aqui. Quem não conhece a realidade acredita que quem mora aqui no trilho, vende droga. Eles acreditam que tem que tirar as pessoas daqui, porque vai acabar com o tráfico, mas isso não bate com a realidade. Porque eu sei, eu conheço tudo aqui, eu moro aqui. Pergunta para as famílias se elas querem sair. Elas não querem sair daqui”, disse.

A moradora ainda complementou explicando que os vendedores de entorpecentes não são os moradores. “São gente que vem e que fica no trilho. Aí vão tirar as pessoas que moram nas casas, e eles vão ficar, porque vai ter mais espaço pra eles”, finalizou.

O Portal Engeplus entrou em contato com a Ferrovia Tereza Cristina questionando sobre a movimentação nos trilhos nessa região, mas não obteve um retorno até a publicação desta matéria.

Insegurança

Maria das Graças Bithencourt é moradora do bairro Pinheirinho há mais de 20 anos. Ela contou que circula muito a pé pelo bairro para ir ao mercado, na padaria e na farmácia. Ela não dirige, e por isso, faz as coisas do dia a dia dessa forma, porém tem encontrado uma grande dificuldade por conta dos moradores de rua. 

Foto: Jessica Rosso Crepaldi/Portal Engeplus

“Depois das 17 horas não dá mais para andarmos na avenida, porque eles estão todos ali. Nosso bairro foi abandonado pela prefeitura de Criciúma e está um caos, está uma vergonha. Temos medo porque estamos sentindo que isso aqui vai virar uma Cracolândia”, afirmou. 

Maria comentou ainda sobre uma situação que presenciou em um ferro velho. “Eu passei na segunda-feira pela manhã, às 7h30, e fiquei com medo. Tinha mais de 30 moradores de rua com saco, com roubo, esperando o ferro velho abrir. É grave, é assustador”, disse.

A irmã de Maria, que também é moradora do bairro, Elizete da C. Bitencourt contou que passou por uma situação de muito medo a pouco tempo, quando dois moradores de rua se esconderam próximo a um supermercado, aguardando a aproximação dela. “A situação está cada vez mais séria. Acho que tem que ser tomada uma providência urgente, não dá mais para esperar”, relatou.

A moradora  disse ainda que sempre procura ter cuidado para não discriminar quem precisa de ajuda, mas isso acaba ocorrendo justamente pelas situações que vem sendo apresentadas. “A gente escuta de uma pessoa e de outra que eles assaltaram, que eles puxaram a bolsa da pessoa”, pontuou.

Mudança de endereço

Uma jovem de 19 anos, que não quis ser identificada, se mudou da região do Pinheirinho quando tinha entre 10 e 11 anos. Ela morava lá desde que nasceu, e contou sobre o que incentivou a sua família a procurar um novo endereço para viver. Segundo ela, um dos principais motivos foi a criminalidade e a presença crescente de moradores de rua. 

A jovem morava com a mãe e a avó. Quando elas precisavam sair de casa de manhã cedo, sempre encontravam um morador de rua dormindo na calçada ou na garagem, que era aberta. “Sempre estava cheio de lixo e sempre tinha mau cheiro. Os moradores de rua, realmente tomavam conta do ambiente”, relembrou. 

Ex-moradora do Pinheirinho (Reprodução de Vídeo: Estefany Bongiolo/Portal Engeplus)

Ela contou que a avó dela, que já morava naquele local há bastante tempo, sempre reclamava de situações, como, por exemplo, quando eles jogavam pedra, ou ocorriam roubos. “Dormir na nossa garagem começou a ficar frequente e fazia com que a minha avó tinha que, por exemplo, jogar água para acordar e espantar o morador de rua, porque precisávamos usar o ambiente, que estava ali do lado, precisávamos abrir porque antigamente era uma barbearia, e já foi um bar”, explicou.

Além dos sustos constantes por conta do aparecimento repentino dos sem-teto na porta de casa, ela comentou sobre como se sentia insegura ao andar na rua. Na época em que era pequena e frequentava a escola a avó a levava a pé, mas isso continuou por muito tempo. 

"Eu estudava pertinho de casa. Mesmo assim, era mais perigoso justamente por isso. Conforme eu fui crescendo, ao longo dos anos, a minha avó continuava me levando por medo”, disse. 

Hoje, a jovem passa diariamente pelo local de ônibus para ir à faculdade. “Não tem mais a casa, só o terreno baldio. Todos os dias tem moradores de rua usando algum tipo de droga naquele terreno", relatou. 

No dia da sua formatura neste ano, a jovem estava com o namorado e duas primas em um carro parado em um posto de combustível no bairro Pinheirinho, quando foi abordada por um morador de rua pedindo esmola e passou um momento assustador.

“Sabemos que é uma região perigosa, que tem esses riscos, só que estávamos dentro do carro estacionado. Quando negamos dar a moeda ele não quis ir embora, e ficou com a mão entre a porta do motorista. Meu namorado tentou fechar a porta e ele não tirou a mão, até que o morador de rua fechou a porta com força, e nesse momento todos descemos do carro e ele sumiu. Ele foi pedir esmola, mas acabou que queria nos roubar por termos negado a esmola. Ficamos apavorados”, finalizou.

Embora as ocorrências em Criciúma mostrem que grande parte da população de rua é composta por pessoas de outros municípios e estados, como Rio Grande do Sul, há também um número de pessoas do próprio município adotando as ruas como residência. 

O município de Criciúma possui  serviços especializados para o atendimento às pessoas em situação de rua. O Centro POP é um espaço que atende a população em situação de rua, oferecendo por exemplo, refeições e espaço para higiene pessoal. O local funciona de segunda a sexta-feira, das 8 às 17 horas. A Casa de Passagem funciona 24 horas, todos os dias. O equipamento fornece dormitórios, refeições e higiene pessoal à disposição dos usuários. Além disso, Criciúma possui a equipe de abordagem social, que funciona em regime de plantão. Para entrar em contato em caso de necessidade de abordagem o telefone é: (48) 999512146.

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