Por Patrick Stüpp
Em 20/11/2024 às 08:06Pela primeira vez, o Dia da Consciência Negra será celebrado em todo território brasileiro. Comemorado nesta quarta-feira, dia 20, a data que tem a finalidade de homenagear Zumbi dos Palmares, passou a ser considerada feriado nacional em 2024. A lei que tornou o dia como feriado nacional foi sancionada em dezembro de 2023, pelo presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva.
Zumbi dos Palmares, que é considerado um símbolo da resistência negra no Brasil, foi responsável por liderar o Quilombo dos Palmares, uma comunidade livre formada por escravos fugitivos das fazendas no Brasil colonial. Considerado o maior da América Latina, o Quilombo dos Palmares chegou a reunir cerca de 20 mil pessoas.
Até o 2023, o Dia da Consciência Negra era considerado feriado apenas em seis estados brasileiros e em mais de 1,2 mil cidades do Brasil, por meio de leis municipais ou estaduais. Porém, a partir deste ano, a representatividade será celebrada nos 26 estados do Brasil, reforçando ainda mais a história, cultura e tradições do povo africano.
Representação negra em Criciúma
Segundo o último Censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (Ibge), divulgado em 2022, ao todo, 20.656.458 são consideradas pretas no Brasil. Em Santa Catarina, este número é representado por 309.908 pessoas. Em Criciúma, cerca de 6,8% da população é considerada negra, representada por 14.557 pessoas.
Conforme a coordenadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (Neabi) da Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc), Normélia Ondina Lalau de Farias, a representatividade da população negra ainda não ganha todo valor que merece ao redor do Brasil. Mesmo com as lutas de resistência significativas que foram realizadas por Zumbi dos Palmares, os atos de escravidão contribuíram para formar esta imagem de “invisibilidade” da população negra.
“Ainda somos um segmento da sociedade inviabilizado até hoje, principalmente pela forma que a população negra foi sendo encurralada nas regiões periféricas na medida que a nação brasileira foi crescendo e se formando. Infelizmente, ainda em 2024, a cultura, a intelectualidade e a inteligência da população negra é invisível. Entretanto, temos sempre que lembrar que o povo negro teve tamanha contribuição para que este país se tornasse uma verdadeira nação”, disse.
Agora, com o dia 20 de novembro se tornando feriado nacional, Normelia reforça que a lei sancionada pelo presidente do Brasil foi com a finalidade de promover o reconhecimento que a população negra merece. “Nós sabemos que todas as datas comemorativas são para homenagear pessoas que tiveram contribuições grandes, seja para o município, estado ou país. E finalmente reconheceram o dia 20 de novembro como uma delas”, afirmou a coordenadora do Neabi.
Visibilidade nas salas de aula
A representatividade da população negra é um dos principais temas que integram os ensinamentos nas escolas da rede municipal de ensino em Criciúma. Os assuntos ganham espaço dentro e fora das salas de aula por meio de um plano de ação desenvolvido pela Secretaria Municipal de Educação (SME).
De acordo com as leis 10.639 e 11.645, temas relacionados à cultura afro-brasileira, afro-africana e indígena devem ser trabalhados durante todo ano letivo com os estudantes do 1° ao 9° e, não apenas na semana que o Dia da Consciência Negra é celebrado. Atualmente, nas escolas municipais de Criciúma, a população negra é representada por 1.442 professores e 24 mil alunos.
Andreza Fideliz, que é coordenadora do Programa Municipal de Educação para Diversidade Étnico-Racial (Pmeder), criado em 2023 para promover ações de combate ao racismo e discriminação nas escolas municipais de Criciúma, reforça que a história do povo africano não começou durante a escravidão. Com isso, o Dia da Consciência Negra se torna, acima de tudo, um momento de reflexão.
“Estudando a história da África, valorizamos, cada vez mais, seus conhecimentos científicos, filosóficos e matemáticos para toda a humanidade. A nossa história não se resume apenas em música, dança e vestimentas e esse empoderamento é representado no dia 20 de novembro”, pontua a coordenadora.
Valorização histórica e cultural
Seguindo o plano de ação da Secretaria Municipal de Educação, a escola Adolfo Back, localizada no bairro Progresso, em Criciúma, foi uma das que representou a história da população negra. Com danças, desenhos e frases, a história da África foi resgatada e ganhou vida nos corredores da instituição de ensino. As atividades foram desenvolvidas com os estudantes em todas as disciplinas ofertadas no currículo escolar.
Uma das responsáveis pela iniciativa foi a professora de Arte e Dança, Renata Maria da Silveira, que resgatou um pouco das práticas artísticas do povo negro durante o ano letivo de 2024. As atividades, que foram trabalhadas com as crianças da Educação Infantil ao 9° ano, trouxeram um olhar de valorização para a cultura africana. “A importância do Dia da Consciência Negra está na visibilidade. Este feriado, além de mudar a estrutura do país, também vai mexer com as pessoas”, conta.
O contato de Tais Vicente Rodrigues com a escola Adolfo Back iniciou há sete anos. Atualmente, exercendo o cargo de diretora da instituição de ensino, Tais contou ao Portal Engeplus que mostrar a atuação dos negros sempre foi um dos seus principais objetivos nas salas de aula. A sua iniciativa foi intensificada por toda escola após assumir a direção da instituição de ensino.
“Antigamente, a história dos negros eram trabalhadas apenas na semana que o Dia da Consciência Negra é comemorado. Mas, há uns quatro anos, as temáticas passaram a ser trabalhadas ao longo de todo ano. Isso é uma grande mudança no processo pedagógico, já que este feriado pode ser resumido em apenas uma frase: nós existimos e somos importantes”, enaltece.
Com 14 anos e cursando o 8° ano na escola municipal Adolfo Back, Isadora Cinthia Rodrigues de Souza ganhou uma nova visão sobre o Dia da Consciência Negra com as atividades desenvolvidas dentro e fora das salas de aula. O conceito de “negro conveniente” chamou sua atenção, reforçando a reflexão e conscientização relacionados aos casos de racismo.
“O conceito e negros convenientes podem ser definido como as pessoas negras que não se impõe. Esses estudos nas salas de aula me fizeram ter uma nova visão sobre o mundo ao meu retorno, percebendo que na minha vida existem várias pessoas que vivem desta maneira. O Dia da Consciência Negra não deve ser visto apenas como um dia de folga, é um momento importante para mostrar que o racismo existe. Criando um momento de conscientização e reflexão para as pessoas e imporem mais”, alerta a estudante.
Identidade negra nas escolas
Além das escolas da rede municipal de ensino, o Governo de Santa Catarina também implementa atividades educativas relacionadas ao Dia da Consciência Negra. Em 2024, a escola estadual Professor Lapagesse, localizada na área central de Criciúma, foi uma das que desenvolveu projetos alusivos ao tema com os estudantes do 1° ao 9° ano. Os alunos conheceram um pouco mais da cultura e alimentação do povo africano.
A diretora da escola estadual Professor Lapagesse, Deise Nonnenmacher, comenta que, este protocolo, seguido por ambas as redes de ensino, é uma forma de combater a discriminação racial e valorizar a identidade negra em Criciúma. Os projetos, desenvolvidos por meio de palestras, exposições e apresentações culturais, também são trabalhados em todas as disciplinas na rede estadual de ensino.
“O Dia da Consciência Negra sempre esteve no calendário do Governo do Estado. É um momento importante para se mostrar justiça e igualdade, principalmente aos estudantes do Ensino Fundamental, que aprendem desde criança a importância de tratar todos da mesma forma, independente da cor da pele”, ressalta.
Este pensamento foi um dos compartilhados pela pequena Catharina Rabelo Soares, estudante do Ensino Fundamental no colégio Professor Lapagesse. “A gente tem que ser amigo de todo mundo, mesmo não sendo da nossa cor. Se tiver uma pessoa pedir para ser meu amigo e eu dizer não apenas porque ele é negro, isso é considerado preconceito”, disse.
Além da escravidão
Além disso, entre agosto e setembro, os professores da rede estadual de ensino tiveram uma formação para conhecerem os cuidados e as orientações para trabalharem a história do povo africano nas salas de aula. A iniciativa foi realizada em cinco encontros semanais com seminários e mesas redondas, com pessoas especializadas na temática. Michele Crispin Baum, é professora de História no Professor Lapagesse e foi uma das educadores que participaram da atividade intitulada ‘Implementação da Política de Educação para as Relações Étinico-Raciais’.
Apesar do embasamento oferecido durante a Faculdade de História, Michele avalia que esta iniciativa foi importante para mostrar que a história do povo africano vai além da escravidão. Os ensinamentos também precisam falar sobre a contribuição do povo africano para a formação do Brasil. “Metade do povo brasileiro é de origem africana. Não tem como falar da África sem contarmos suas contribuições para a formação do Brasil. Este feriado nacional servirá para as pessoas repararem na invisibilidade do povo africano na construção da nossa sociedade”, reflete a professora de História.
Além das atividades nas instituições de ensino de Criciúma, nesta quarta-feira, para comemorar o Dia da Consciência Negra, será realizado o evento ‘Aquilombar - Diversidade, Cultura e Movimento'. A ação ocorre no Parque Municipal Altair Guidi, a partir das 15 horas. A iniciativa é organizada pelos movimentos sociais negros do município, focando-se na diversidade e no movimento cultural.
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