Por Amanda Ludwig - entrelidasevindas@engeplus.com.br
Em 27/07/2021 às 13:18 - Atualizada há 3 anosAlgumas semanas atrás eu resolvi discutir aqui, na coluna, quais seriam os motivos que fazem um livro virar um clássico. Conversei com amigos e colegas de profissão, e debati o assunto com outras pessoas que gostavam de ler histórias clássicas. Foi difícil chegar a uma conclusão sobre o assunto, mas uma das respostas era comum: clássicos são capazes de atravessar gerações com histórias que permaneçam atuais. E eu ouso dizer aqui: Torto Arado, de Itamar Vieira Junior, será (ou já é) um clássico. Podem me cobrar daqui vários anos.
O livro, brasileiro, conta logo no início a história de duas irmãs ainda crianças que decidem, em um momento de curiosidade, vasculhar as coisas da avó que estava na roça. Lá encontram uma faca afiada, e por um acaso do destino, decidem colocar o objeto na boca. Uma delas machuca a língua. A outra, a perde. A partir do episódio, Belonísia e Bibiana passam a se comunicar uma pela outra, e surge um laço quase indestrutível que liga a história das irmãs até a última página.
Elas vivem com a família em uma fazenda da Chapada Diamantina, na Bahia, cerca de 50 anos após o fim da escravidão no país (o autor não deixa a data clara em nenhum momento). Naquela terra viviam também outras famílias, que acabam por viver uma vida muito parecida com a escravidão. Eles poderiam viver no local, desde que os trabalhadores homens fossem responsáveis pelo trabalho na terra, enquanto as mulheres e crianças poderiam cuidar de plantações próprias, onde cultivariam alimentos para viver. Essas famílias não poderiam construir casas de alvenaria, apenas de barro, para que não se tivessem garantias de permanência na fazenda.
Ainda assim, era o único mundo conhecido pelas irmãs e outros nascidos na fazenda de Águas Negras. O pai das meninas, Zeca Chapéu Grande, acabou por se tornar uma espécie de líder naquela comunidade. Ele era o curador do local, tratava de enfermos, auxiliava em partos e tinha um jarê - prática religiosa de matriz africana presente na Chapada Diamantina - muito frequentado.
O livro acompanha as irmãs desde sua infância, com o episódio da faca, até que se tornem adultas. Em um caminho marcado por desentendimentos e perdão, as duas passam a entender melhor o mundo que as cerca e entendem a necessidade de batalhar por uma vida melhor, ainda que dentro da fazenda.
Torto Arado é narrado em, basicamente, três eixos: a primeira parte se passa pela perspectiva de Bibiana, a segunda é narrada por Belonísia, e a terceira parte por uma das entidades frequentadoras do jarê. É muito forte o protagonismo feminino nesta obra de Itamar.
TRECHO: “Meu pai, quando encontrava um problema na roça, se deitava sobre a terra com o ouvido voltado para seu interior, para decidir o que usar, o que fazer, onde avançar, onde recuar. Como um médico à procura do coração.”
No começo, Torto Arado parece contar apenas a história das irmãs. Com o virar de páginas, no entanto, percebemos que a obra é muito maior que isso. É um retrato do sertão brasileiro, em sua essência, com os castigos impostos pela terra, pelo clima, pela estiagem, e pelos donos das terras. E é impressionante acompanhar como mesmo diante de tanta dificuldade, aquele povo consegue se adaptar e encontrar uma vida a ser vivida, uma terra a ser arada, crianças a serem cuidadas e uma luta a ser travada. Esse com certeza será, se já não o é, um clássico da literatura brasileira.
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