Por Rafaela Custódio -
Em 30/08/2023 às 09:40Estar com uma criança em um leito de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) neonatal e pediátrico não é tarefa fácil para profissionais de saúde, e menos ainda para os pais que precisam lidar com a dor, a angústia e os momentos difíceis durante o período de internação. Mas retirar esse paciente da unidade hospitalar depois de uma internação prolongada também não é simples. O ato necessita de cuidados 24 horas por dia, paciência e, principalmente, amor.
Em Criciúma, crianças que deixaram a UTI agora contam com uma rede de acolhimento e suas famílias já podem sonhar com dias melhores. Após a saída da unidade hospitalar, uma equipe estrategicamente pensada ajuda a família, a criança e traz orientação e cuidados para cada paciente.
A equipe criada pelo Serviço de Atenção Domiciliar - Melhor em Casa trabalha de forma humanizada e respeitando as necessidades de cada paciente e de suas famílias. A reportagem do Portal Engeplus acompanhou o projeto e conta a partir de agora como funciona o trabalho e o dia a dia das famílias.
Legenda: Paciente recebendo atendimento de fisioterapia no Complexo de Saúde Santo Agostinho. Foto: Rafaela Custódio | Portal Engeplus
O que é o Melhor em Casa?
O programa desenvolvido em Criciúma visa atender pacientes que possuam problemas de saúde e dificuldade ou impossibilidade física de locomoção até uma Unidade Básica de Saúde e necessitem de maior frequência de cuidado, recursos de saúde e acompanhamento contínuos. A indicação para o atendimento domiciliar pode vir de diferentes serviços da rede de atenção. A prestação de assistência à saúde é de responsabilidade da equipe multiprofissional de atenção domiciliar (EMAD) e da equipe multiprofissional de apoio (EMAP), sendo o cuidado compartilhado com a família ou cuidador responsável.
Atuam no projeto fonoaudiólogos, fisioterapeutas, nutricionistas, assistentes sociais, psicólogos, enfermeiros, médicos e técnicos de enfermagem.
Legenda: Alguns profissionais que atuam no projeto 'Olhar com amor' no Complexo de Saúde Santo Agostinho. Foto: Rafaela Custódio | Portal Engeplus
Como funciona a desospitalização de uma criança?
Após passar pela UTI e ter condições de deixar o hospital, a criança necessita de cuidados 24 horas e também de atenção especial de uma equipe formada por multiprofissionais. Com isso, a direção do Hospital Materno Infantil Santa Catarina (Hmisc) aciona o programa Melhor em Casa de Criciúma e a equipe realiza uma avaliação com a família e com o paciente.
“Estruturamos toda a casa. Levamos aspirador de vias aéreas, cilindros de oxigênio e até mesmo testamos as tomadas. Arrumamos o leito, preparamos o material para receber a dieta por sonda, tudo isso de forma gratuita. Entregamos frascos, dieta especial, leite especial, orientamos os cuidados com crianças, muitos pacientes possuem curativos, ensinamos as mães ou responsáveis com cada detalhe. Estamos atentos 24 horas, mas não estamos presentes 24 horas com esses pacientes, por isso da importância de ensinar familiares”, detalha a coordenadora das equipes do Programa Melhor em Casa e gestora do Complexo de Saúde Santo Agostinho, enfermeira Larissa Alves.
Legenda: Enfermeira Larissa Alves | Foto: Divulgação
Conforme Larissa, após conversa com a direção do Hmisc, a equipe inicia a desospitalização dos pacientes. “Essa equipe desospitaliza a criança e a leva para casa. Em sua residência, a família, geralmente a mãe, recebe orientações sobre como mexer em sonda nasogástrica, por exemplo. Além disso, recebe todo apoio de profissionais. Nós conversamos com essa família todos os dias. Quando o paciente já possui uma condição melhor de saúde, ela inicia o atendimento no Complexo de Saúde Santo Agostinho, localizado no distrito do Rio Maina”, explica.
Foto: Eduarda Salazar/Decom Criciúma
No Complexo de Saúde, às quartas-feiras os pacientes recebem atendimento de fisioterapia. “São pacientes que terão estímulos e um atendimento especial. Mas não pensamos apenas nos pacientes. Desenvolvemos um programa também para as mães. Isso porque elas cuidam dessas crianças durante 24 horas e o único momento que ficam sem elas é durante o atendimento no Complexo. Com isso, elas deixam as crianças conosco e recebem também carinho, acolhimento e um momento dedicado a elas”, destaca Larissa.
Legenda: Paciente recebendo atendimento de fisioterapia de acadêmicos da Unesc. Foto: Rafaela Custódio
Fisioterapia: um avanço no dia a dia dos pacientes
O programa tem uma parceria com o curso de Fisioterapia da Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc) e oito estudantes da 6ª fase com estágio obrigatório atendem esses pacientes.
“São realizados atendimentos de fisioterapia motora, estimulação precoce e respiratória, de acordo com a individualidade de cada paciente. São atendidas seis crianças que vão e voltam do hospital. São crianças graves e que não podem ficar sem a fisioterapia. Com o atendimento no Complexo, conseguimos segurar a hospitalização dessas crianças”, comenta a fisioterapeuta da Prefeitura de Criciúma e do Complexo de Saúde Santo Agostinho, Juliane Cardoso Pieri.
Legenda: Fisioterapeuta da Prefeitura de Criciúma e do Complexo de Saúde Santo Agostinho, Juliane Cardoso Pieri. Foto: Rafaela Custódio
A professora do curso de fisioterapia da Unesc, Herica Salvaro Fernandes, ressalta a importância dos atendimentos para os pacientes. “A cada dia que eles recebem um atendimento é um dia a menos de hospital. Se não cuidarmos, eles podem voltar para uma unidade hospitalar. São pacientes que estão recebendo qualidade de vida, funcionalidade e ganhos significativos com a fisioterapia e com os atendimentos”, observa.
Herica ainda destaca a importância de aproximar os estudantes da realidade. “Nossa missão é trazer aproximação dos estudantes com o dia a dia da fisioterapia. Aqui, eles ajudam os pacientes e ainda colocam em prática o que aprenderam em sala de aula. Tudo aqui é feito com humanização e acolhimento, tanto com as crianças como com as mães”, acrescenta.
Legenda: Professora do curso de fisioterapia da Unesc, Herica Salvaro Fernandes. Foto: Rafaela Custódio
A coordenadora do curso de Fisioterapia da Unesc, Ariete Inês Minetto, ressalta que a fisioterapia busca desenvolver e estimular as crianças. “A primeira infância é a fase mais importante para a vida do ser humano. É onde o cérebro se encontra em constantes mudanças e evoluções. A fisioterapia vem para desenvolver, reabilitar e estimular as habilidades e potencialidades dessas crianças, além de prevenir limitações e disfunções, gerando qualidade de vida e funcionalidade para a criança”, explica.
Conforme a coordenadora, o projeto ainda traz a oportunidade de os estudantes de fisioterapia lidarem com situações reais. “Quando o acadêmico vivencia o que na teoria é descrito, a aprendizagem se torna mais eficiente. O acadêmico sente ao tocar num paciente o que o professor tenta reproduzir em sala, a importância da escuta, da humanização, do conhecimento e do quão importante somos na vida das pessoas”, observa.
Parceria entre Unesc e Prefeitura de Criciúma
A coordenadora do curso de Fisioterapia ainda ressalta a união entre a Universidade e a saúde pública de Criciúma. “A Unesc tem como missão educar por meio do ensino, da pesquisa e da extensão para promover a qualidade e a sustentabilidade do ambiente de vida. Visando atingir tal meta, muitas ações são realizadas de forma positiva, contribuindo não só com a formação acadêmica, mas com a vida como um todo. Nesse sentido, o curso de Fisioterapia através dos seus estágios e práticas fisioterapêuticas, uma das etapas da formação profissional, onde o aluno irá adquirir experiência terapêutica nos diferentes níveis de complexidade, conforme sua evolução”, salienta Ariete.
Foto: Acadêmicos do curso de fisioterapia da Unesc atendendo no Complexo de Saúde Santo Agostinho. Foto: Rafaela Custódio
Ariete comenta que os estágios são realizados em locais diversos e conveniados que incluem a interlocução com a saúde pública de Criciúma para promover o contato entre o estagiário e o paciente. “Assim, pode garantir a visualização e a vivência dos conteúdos teóricos, desenvolvendo habilidades práticas pertinentes à profissão, além de introduzir o acadêmico na realidade social, política e econômica da saúde do município e da região”, frisa.
O secretário de Saúde de Criciúma, Acélio Casagrande, também falou da importância da união da saúde pública com a Unesc.
Leandro Colombo de Melo é acadêmico do curso de Fisioterapia e está fazendo o estágio no Complexo de Saúde Santo Agostinho. Ele está ligado diretamente com as crianças e suas famílias. “A maior importância, acredito que seja o aprendizado que temos dos diversos casos que a clínica possui, aprender a relacionar a teoria com a prática e saber que estamos, além de aprendendo, contribuindo com a saúde e a vida das crianças e famílias que participam do programa”, enfatiza.
Legenda: Acadêmico Leandro Colombo de Melo com a paciente Anthonela dos Santos Motta. Foto: Rafaela Custódio
O acadêmico comenta sobre acompanhar a evolução de cada paciente. “É bem gratificante, na verdade, ver a evolução e saber que devido ao nosso esforço e nosso trabalho, as crianças deram pequenos passos que vão contribuir na caminhada deles pro resto da vida. É um sentimento de que estou no caminho certo”, afirma.
Cuidado com quem cuida
Segundo Larissa, as mães deixavam as crianças receosas com o atendimento e a equipe percebeu a importância de também cuidar delas. “É um momento difícil, pois as mães estão 24 horas com essas crianças e elas ficam preocupadas, o que é natural. Pensamos em cuidar delas também com Práticas Integrativas e Complementares”, afirma.
As Práticas Integrativas e Complementares (PICS) são tratamentos que utilizam recursos terapêuticos baseados em conhecimentos tradicionais, voltados para prevenir diversas doenças como depressão e hipertensão. Em alguns casos, também podem ser usadas como tratamentos paliativos em algumas doenças crônicas. Atualmente, o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece, de forma integral e gratuita, 29 procedimentos de Práticas Integrativas e Complementares (PICS) à população.
Legenda: Mãe de paciente, Josiele de Aguiar da Silvia Freitas, recebendo atendidmento. Foto: Rafaela Custódio | Portal Engeplus
Grasiela Deboita Gregório é enfermeira e facilitadora do Núcleo de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (Nupics) e responsável por atender as mães durante a fisioterapia das crianças.
Bernardo Frigo, de nove meses, é um dos pacientes atendidos no Complexo e acompanhado pela equipe do Melhor em Casa. Ele teve bronquiolite, que é uma infecção por um vírus, denominado vírus sincicial respiratório, segundo a enfermeira Larissa. Existem tipos diferentes desse vírus, mas todos estão muito relacionados entre si e se comportam da mesma maneira quando causam a doença. O vírus sincicial respiratório pode causar infecção em qualquer idade, mas o seu maior impacto ocorre em crianças menores de um ano.
Legenda: Bernardo e sua mãe Geane Frigo. Foto: Rafaela Custódio
"Ele sofreu parada cardíaca e ficou internado na UTI. Ele vem ao Complexo uma vez por semana para atendimento de fisioterapia. Vejo uma evolução grande nele, principalmente no desenvolvimento e na saúde. Estou com meu filho 24 horas por dia, precisei sair do trabalho e dedico minha vida exclusivamente a cuidar dele", explica a mãe, Geane Frigo, moradora do bairro Centro.
A mãe de Bernardo ainda ressalta a importância de um momento também para as mães. "Como fico 24 horas como ele, tenho um momento aqui para relaxar e aliviar um pouco. É um momento relaxante, pois sei que ele está com profissionais capacitados e, assim, consigo também cuidar de mim", afirma.
Assim como Bernardo, Anthonela dos Santos Motta, de sete meses, também teve diagnóstico de bronquiolite. Com internação em UTI, atualmente ela usa traqueostomia, que é um canal aplicado no pescoço de alguns pacientes para que o ar possa fluir entre o ambiente externo e os pulmões.
Legenda: Anthonela e sua mãe Rayana Teresa dos Santos. Foto: Rafaela Custódio
"Estou com ela durante todo o dia e deixei meu emprego para ficar com ela o tempo todo. É uma rotina bem cansativa e não esperava um dia passar por isso", comenta a mãe de Anthonela, Rayana Teresa dos Santos, moradora do bairro Vila Manaus.
A mãe conta que a filha requer cuidados especiais, mas acredita na recuperação total dela. "Antes dos atendimentos, eu não saía de casa para nada. Até a ida ao supermercado era difícil e, hoje, não. Consigo sair mais e ter uma rotina. Hoje, ela dorme a noite inteira, o que não acontecia antes dos atendimentos aqui no Complexo. Ela é outra criança, com toda a certeza. Acredito que ela vai ter uma vida normal nos próximos meses. Os médicos deram seis meses para ela tirar a traqueostomia, mas minha esperança foi renovada depois de começar a vir aqui no Complexo de Saúde Santo Agostinho. Até o final do ano, com certeza, ela será outra criança e teremos novamente nossa rotina estabelecida", ressalta.
A bebê Kauany Freitas, de um ano e seis meses, foi diagnosticada com Dandy-Walker, uma síndrome rara e que consiste em uma malformação cerebral congênita que acomete o cerebelo e os espaços repletos de líquido circunvizinhos a ele.
Legenda: Kauany Freitas, sua mãe Josiele de Aguiar da Silvia Freitas e as acadêmicas do curso de fisioterapia. Foto: Rafaela Custódio
"Ela utiliza oxigênio e temos uma vida dedicada a ela. Mas há evolução visível nela depois dos atendimentos. Ela já mexe os braços e fica mais em pé. Além disso, quando viemos ao Complexo também temos um momento para nós e que foi pensado literalmente para nos atender. Isso é bom e nos deixa mais aliviadas por um período", comenta a mãe, Josiele de Aguiar da Silvia Freitas, moradora do bairro Morro Estevão.
Já Miguel Mendonça, de nove meses, nasceu prematuro e tem uma síndrome neurológica ainda a esclarecer. "Ainda estamos investigando o diagnóstico dele. Mas consigo perceber uma evolução dele em todos os aspectos. Antigamente ele era bem mole, não ficava em pé, não firmava a cabeça. Hoje ele consegue fazer tudo isso, fica de bruços", destaca a mãe, Aurea Valesca de Vargas Mendonça, moradora do bairro São Cristóvão.
Legenda: Miguel, sua mãe Aurea Valesca de Vargas Mendonça, seu irmão e as acadêmicas de fisioterapia. Foto: Rafaela Custódio
Aurea ressalta a importância de ter um tempo só com as mães. "Conseguimos dar uma relaxada, dar uma desligada. É importante esse acompanhemento, principalmente, porque estamos com eles 24 horas por dia e, quando estamos no Complexo, não. Conseguimos um tempo só para nós", observa.
Futuro
A enfermeira Larissa reforça que o projeto traz uma oportunidade para as crianças e suas famílias. "É necessário pensar que nem todos possuem condições para pagar uma fisioterapia semanal, até porque muitas mães saíram dos seus empregos para cuidar dos seus filhos. É um momento delicado para cada família. A fisioterapia é muito importante para cada um, traz esperança, traz qualidade de vida e, principalmente, uma luz no fim do túnel. A saúde pública de Criciúma é referência, assim como a Unesc, que é parceira do projeto e nos traz total suporte para podermos todos em conjunto ajudarmos os pacientes com dias melhores", comenta. "Nossa equipe multiprofissional de saúde do Melhor em Casa está à disposição e também seguimos ajudando essas famílias e acompnhando diariamente", completa.
A reitora da Unesc, professora doutora Luciane Bisognin Ceretta, elogiou a parceria entre Prefeitura de Criciúma e universidade e comentou no vídeo abaixo a importância do projeto.
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