Por Rafaela Custódio -
Em 21/08/2020 às 10:23Todo ser humano possui uma história. Cada biografia é única e possui detalhes que apenas quem viveu conhece. Cada ser humano possui a sua memória, os seus desejos, sonhos e lutas. Já parou para pensar que por trás de cada lágrima, sorriso ou até mesmo aperto de mão, existe uma história?
Em buscas destas histórias, a reportagem do Portal Engeplus foi para as ruas de Criciúma na noite desta quinta-feira, dia 20, e conversou com moradores de rua, voluntários, profissionais da Prefeitura e conta a partir de agora histórias que muitas vezes não são vistas pela sociedade.
Há seis anos na rua: a história de Kaike*
Natural de Criciúma, Kaike* de 29 anos é morador de rua há seis anos. Usuário de crack, ele deixou a casa de sua mãe por causa das drogas. A família vive na região norte da Capital do Carvão e há três meses o rapaz não tem contato com sua mãe.
Kaike está namorando há oito meses uma mulher de 31 anos que também é moradora de rua, e juntos os dois buscam diariamente a sobrevivência. “Sou usuário de drogas há 10 anos e há seis deixei a casa da minha mãe. Não queria ficar incomodando ela e meus irmãos e por isso fui para as ruas”, contou. “Trabalho às vezes, sim, mas não sempre. Trabalho com pintura de rodapé, espelho. Porém, se for preciso, também peço [dinheiro] no comércio. Nas sinaleiras não costumo pedir tanto”, acrescentou.
O criciumense conta que costuma viver com a namorada em dois pontos da cidade. “São lugares onde guardamos nossas coisas e dormimos. Sou usuário de crack e peço dinheiro [nas ruas] também para sustentar meu vício. Não é algo que tenho orgulho, mas tenho a necessidade”, revelou.
A reportagem encontrou Kaike e a namorada na Casa de Passagem no bairro Pinheirinho, porém os dois não dormiram no local na noite desta quinta-feira. “Apesar do frio, vamos dormir nas ruas, sim. Preferimos dormir nas ruas. Não gosto muito de ficar aqui [Casa de Passagem]”, afirmou.
Kaike ainda tem um irmão que também é usuário de drogas e vive nas ruas assim como ele. “Passamos perrengue? Óbvio. Mas a escolha foi nossa. Não queríamos incomodar a mãe e por causa das drogas viemos morar na rua. Tenho total consciência que se eu não mudar, passarei o resto da vida nas ruas, mas o vício é complicado”, analisou.
Após a entrevista, Kaike, a namorada e o irmão jantaram e, em seguida, deixaram o local para dormir nas ruas. A reportagem encontrou o casal dormindo no bairro Pinheirinho, próximo à Havan (apenas referência). “Jantamos na Casa de Passagem, ganhamos roupas e cobertores e vamos passar a noite na rua. É muito melhor”, garantiu Kaike.
Agressividade: um problema difícil de lidar
A reportagem do Portal Engeplus acompanhou uma equipe da Prefeitura de Criciúma que estava abordando os moradores de rua e prestando auxílio na noite dessa quinta-feira, dia 20. Entre as abordagens, a equipe conversou com Matheus* que está na rua há cinco anos.
“Não quero ir para a Casa de Passagem e estou com fome”, enfatizou ele ao ser abordado. Os profissionais da Assistência Social conversaram com o rapaz, que garantiu que não queria ser levado para lugar nenhum.
O morador de rua recebeu alimentos, roupas e até um cobertor. Durante a abordagem, Matheus se mostrou agressivo com os profissionais - que tiveram calma e conseguiram convencê-lo a vestir uma calça, já que ele estava de bermuda naquele momento. “Não me alimento desde do meio-dia e estou com fome”, contou Matheus ao receber alimentação. Logo em seguida, o menino seguiu seu caminho.
Muito além do que você pode imaginar: o caminho de Gigante e da cachorra Princesa
Natural de Cocal do Sul, ele é conhecido como Gigante (e não revelou seu nome real à reportagem). Morador de rua há cinco anos, vive com uma cachorra a quem deu o nome de Princesa. De uma família de nove irmãos, ele é adotado e após a morte de sua mãe, decidiu viver nas ruas.
Gigante tem 35 anos e acredita que pode sair das ruas, mas para isso precisa de uma oportunidade de emprego. “Tem vários lugares para trabalhar aqui na cidade, mas quando você pede uma chance, não dão, pois você é morador de rua. Como vou sair das ruas se não me dão oportunidade? É difícil. É muito digno você comer o que quer, vestir o que quer. Já procurei comida no lixo. Visto o que os outros me dão. É complicado lidar com tudo isso, mas meu sonho é trabalhar e não viver mais na rua”, comentou.
Princesa foi adotada por ele há dois anos. “Vivo para ela e ela vive pra mim. Muita gente diz que me aproveito do animal para pedir as coisas e não vou negar. Muita gente já me deu algo para comer por causa da cachorra. Parece que as pessoas olham mais os bichos do que para moradores de rua”, pontuou. “Devo minha vida a essa cachorra. Afirmo com todas as palavras que ela salvou a minha vida. Não tem dinheiro no mundo que pague a felicidade que ela me traz. Vivo na rua e durmo em um local que me deram, porém ela sempre está comigo, sempre”, acrescentou.
Gigante, como gosta de ser chamado, conta que não tem contato dos irmãos. “Todos os meus irmãos sempre me rejeitaram, pois sou adotado e por isso acabei vivendo na rua. Após a morte da minha mãe, não tive outra escolha”, contou.
“Às vezes, queremos apenas um prato de comida e nada mais. É pedir muito? Para muitos, sim. É triste você depender de alguém para comer, para se vestir. Trabalho fazendo bico, mas não é sempre, pois não temos muitas oportunidades. Faço serviços gerais e acredito que depois que eu conseguir um emprego, tudo vai melhorar”, finalizou.
O voluntariado: um amor pelo próximo
A reportagem do Portal Engeplus conversou, ainda, com o grupo Irmãs Adoradoras da Misericórdia que estavam na área central de Criciúma realizando orações e doações de alimentos e roupas.
O grupo Irmãs Adoradoras da Misericórdia entregou alimentos ao morador João*. Sua família é de Içara e ele garante que gosta de viver na rua. “Gosto de viajar e já fui até São Paulo, mas meu sonho é conhecer o Rio de Janeiro”, contou. “Não tenho filhos e nunca fui casado. Viver na rua te traz liberdade e gosto disso”, completou.
João recebeu um rosário das Irmãs Adoradoras da Misericórdia e enfatizou. “Gosto muito de rezar e vou guardar comigo.”
Unidos para o bem
Um grupo de 15 pessoas realiza doações de roupas, alimentos, cobertores e estão em busca sempre de fazer o bem, sem olhar a quem. Na noite dessa quinta-feira, dia 21, o grupo entregou café com leite e sanduíches pelas ruas de Criciúma. Além disso, também doaram roupas e cobertores.
Ricardo de Lima: um morador de rua que venceu os obstáculos da vida
O paranaense Ricardo de Lima, de 43 anos, estava ajudando a entregar roupas de cama e alimentos aos moradores de rua. O esforço, no entanto, acontece por uma razão. Ele também foi morador de rua por diversos anos.
Ricardo tinha mais seis irmãos, quando seu pai abandonou a família, quando ele ainda tinha 7 anos. “Minha família era muito pobre, mas muito mesmo. Minha mãe não tinha condições de sustentar sete filhos. Vivíamos de doações e isso foi pesando pra mim. Então, aos sete anos resolvi ir morar na rua, onde vivi até os 10 anos.
Em 1989, ele foi para a cidade de Rio do Sul (SC), onde foi adotado por uma família e deixou as ruas. Já em 1995, Ricardo veio morar em Criciúma, onde ficou tanto em um hotel quanto nas ruas. “Morei oito meses na rua em Criciúma. Consegui superar tudo que passei. Hoje sou empresário e atuo no ramo de confecções, porém passei no concurso do Departamento de Administração Prisional (Deap) e vou começar a trabalhar também na Penitenciária Feminina.
“Nunca roubei ninguém, mas já usei todos os tipos de drogas. Consegui com muito esforço deixar as ruas. Sou solteiro, mas tenho um filho de 21 anos que mora comigo. Consegui reencontrar minha mãe depois de 21 anos, mas infelizmente ela morreu neste ano. Hoje, tenho contato com meus irmãos”, relatou. “Já vendi frutas, já apanhei muito na rua. São diversas histórias que as pessoas nem imaginam e por isso ajudo as pessoas hoje, pois tenho condições e amigos que também acreditam nesse projeto de fazer o bem”, finalizou.
*Os nomes utilizados na matéria são fictícios para preservar a identidade dos envolvidos.
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