Segurança Pública, Justiça e Cidadania

Vingança Pública e Vingança Privada

Justiça com as próprias mãos

imagem do colunista

Por Mário Luiz

Em 08/05/2023 às 07:00
imagem da noticia

“População espanca ladrão!”

“Comunidade faz justiça com as próprias mãos!”

“Assaltante é linchado por moradores!”

“Criminoso é detido e torturado por populares”

Por que manchetes como essas têm se tornado cada dia mais comuns?

Para responder essa indagação faz-se necessário fazer uma digressão histórica no fundamento da punição pela prática de um crime.

Desde os mais remotos tempos, os homens estabelecem regras para que seja possível o convívio social, bem como punições para aqueles que transgridam tais regras.

A história das penas se entrelaça com a própria história da humanidade. A partir do momento em que o homem passou a viver em sociedade esteve presente a ideia de punição àquele de violasse alguma norma de convivência.

Nesse primeiro estágio da sociedade, as regras de convivências socias não estavam formalmente estabelecidas em leis como hoje, mas sim em regras costumeiras, culturais, religiosas e no senso comum de justiça. Não se tinha o conceito de crime como se tem hoje (com previsão legal), mas algo mais abrangente: “infração”.

Nos primeiros estágios da humanidade a pena foi caracterizada como uma forma de vingança.

Os estudiosos historicistas apresentam 04 fases da pena, a saber:

  • Vingança divina;
  • Vingança privada;
  • Vingança pública e
  • Período humanitário.

 

VINGANÇA DIVINA

Os homens primitivos, organizados em clãs, eram deveras movidos pelo misticismo e o culto às mais variadas divindades.

Nesse momento da evolução humana, os homens acreditavam que as leis tinham origem divina. Dessa sorte, quando alguém cometia uma infração era severamente punido por ter desagradado à divindade, bem como para purgar do grupo o mal produzido pelo criminoso.

O castigo ao criminoso era rigoroso e cruel, a fim de amenizar a ira da divindade e reconquistar a sua benevolência para com o povo. As penas aplicadas eram aflitivas, não raras vezes culminando com a morte do criminoso: sacrifícios, caminhar sobre brasas, afogamento, queimar na fogueira, etc.

 

VINGANÇA PRIVADA

Nesse momento da humanidade não existia a figura do Estado como conhecemos hoje para, mediante aplicação da lei, reger a vida em sociedade. Assim, as tribos, clãs e agrupamentos de pessoas em geral criavam as suas normas e aplicavam suas penas àqueles que delas se afastassem.

Sendo vitimado por um crime, era dado ao ofendido direito de se vingar do mal causado pelo seu ofensor. Vivia-se a era da vingança de sangue ou da justiça com as próprias mãos.

Nesse período era muito comum que as penas fossem desproporcionais à gravidade do delito. Surge, então, o primeiro código de leis da história com o propósito de a punição ao criminoso fosse semelhante ao crime por ele cometido.

Trata-se do Código de Hamurabi, que teve sua gênese na Mesopotâmia no período em que era governada por Hamurabi, entre 1792 e 1750 a.C.

O Código de Hamurabi se calcava na Lei de Talião (latim tolis = tal qual), que tem como eixo estruturante a resposta do ofendido contra o seu agressor. Retrata-se na expressão, ainda hoje proferida: “Olho por olho, dente por dente”.

Pela Lei de Talião, ao ofendido era dado o direito de vingar-se de seu ofensor na mesma medida em que foi agredido, ou seja, ao ofendido era dado o direito de fazer justiça com as próprias mãos: “Se o criminoso matou um ente da minha família, eu tenho o direito de matá-lo.”

Um exemplo extraído do Código de Hamurabi: “Art. 209. Se alguém bate numa mulher livre e a faz abortar, deverá pagar dez siclos [moeda hebraica] pelo feto”. “Art. 210. Se essa mulher morre, então deverá matar o filho dele”.

A Lei das XII Tábuas (romana) também trazia algumas regras baseadas na Lei de Talião: "Se alguém matou o pai ou a mãe, que se lhe envolva a cabeça e seja colocado em um saco costurado e lançado ao rio”.

Das Sagradas Escrituras também se extrai uma passagem da Lei de Talião: “Pagará a vida com a vida; mão com mão, pé por pé, olho por olho, queimadura por queimadura” (Êxodo, XXI, versículos 23 a 25).

 

VINGANÇA PÚBLICA

Com a evolução da sociedade e a criação das Nações modernas, o Estado avocou para si o dever de manter a ordem e a segurança social e para tanto passou a exercer com monopólio o poder-dever de punir. Não sendo mais dado a nenhum cidadão o direito de fazer justiça com as suas próprias forças.

A pena assume caráter público.

A partir desse momento, o Estado se arroga em garantir a paz social e para tanto se compromete a punir aqueles que descumprem as regras de convivência. Não se trata de um direito do Estado, mas sim de um dever. Dever de responsabilizar aquele que viola as suas leis.

O Estado assume de forma tão veemente o monopólio da Justiça que proíbe qualquer cidadão de usar suas próprias forças sob o argumento de fazer justiça. Tanto é assim, que no direito penal brasileiro caracteriza-se crime a conduta de fazer justiça com as próprias mãos (artigo 345 do Código Penal).

No primeiro momento da fase da vingança pública as penas eram extremamente severas e desproporcionais. Eram comuns as torturas e penas de suplício.

As revoluções do século XVIII e as reflexões propostas pelo iluminismo provocam a reanálise do poder de punir do Estado, passando a se exigir que as penas tenham um caráter humanitário e sejam proporcionais ao delito praticado. Nem mais, nem menos. Nem severas demais, tão pouco insuficientes. Sempre proporcionais à gravidade do delito praticado.

A partir desse período, as sanções penais se afastam da ideia de vingança e adentrando no período humanitário das penas, as quais passam a ter outras finalidades: prevenção ao crime, ressocialização do criminoso e – por muito não citada – a repressão (punição) pela prática do crime.

 

INEFICÁCIA DO PODER-DEVER DE PUNIR

Em face dessa explanação histórica, fica fácil concluir que a partir do momento em que o Estado assumiu para si o monopólio da aplicação da sanção penal, o cidadão não mais poderá utilizar-se da sua própria força para vingar-se contra o seu agressor.

Cada membro da sociedade confia que o Estado irá criar leis para estabelecer a ordem social e, em caso de infringência a ela, irá aplica a sanção devida, proporcional a gravidade do delito.

Destaco que o poder de punir do estado possui um dupla acepção: é um poder, mas também é um dever. O Estado DEVE punir aquele que descumpre as suas normas. Não se trata de uma faculdade.

Pois bem, nos últimos anos vivemos uma período de flexibilização da legislação penal, processual penal e de execução penal. Cada vez mais mitigando o poder punitivo do Estado em benefício do criminoso.

A cada mudança legislativa a pena privativa de liberdade (prisão) vem sofrendo algum abrandamento.

A prisão preventiva (aquela no curso do processo, quando o criminoso é preso em flagrante delito, decretada para que ele responda o processo preso e cesse a sua atividade delitiva), essa mesmo vem sendo defenestrada. TODAS as últimas alterações legislativas criaram amarras para a sua aplicação. Culminado com que criminosos reiterados que continuam em liberdade.

Obedientes à legalidade, os aplicadores da lei ao caso concreto ficam limitados por ela, incapazes de dar a resposta que a sociedade espera no combate à criminalidade.

Nesse cenário, a necessário indagação é: a redução do poder punitivo do Estado reduziu a criminalidade?

A resposta é bastante evidente: claro que NÃO!

Pelo contrário! Essa postura negligente do Estado vem produzindo o aumento da criminalidade.

Os fatos são ululantes para demostrar que esse não é caminho!

Além do aumento da criminalidade, a omissão do Estado em exercer o seu poder-DEVER de punir traz outro nefasto resultado.

O cidadão passa a não confiar naquele que tem o dever de lhe proteger (o Estado) e se arvora em usurpar a sua função de aplicar a justiça. Nasce um justiceiro!

Respondendo à pergunta aventada no início do texto: A incredulidade no Estado punitivo leva o cidadão a fazer (indevidamente) justiça com as próprias mãos.

É a renascença da longeva vingança privada!

 

Minha respeitosa continência a todos e até a próxima.

 

Mário Luiz 

Instagram: @tcmarioluiz

Leia mais sobre:

Circuito PET.

Receba as principais notícias de
Criciúma e região em seu WhatsApp.
Participe do grupo!

Clique aqui

Confira mais de Segurança Pública, Justiça e Cidadania por Mário Luiz

imagem do card de noticia

Segurança Pública, Justiça e Cidadania

imagem do card de noticia

Segurança Pública, Justiça e Cidadania

imagem do card de noticia

Segurança Pública, Justiça e Cidadania

imagem do card de noticia

Segurança Pública, Justiça e Cidadania

imagem do card de noticia

Segurança Pública, Justiça e Cidadania

imagem do card de noticia

Segurança Pública, Justiça e Cidadania

imagem do card de noticia

Segurança Pública, Justiça e Cidadania

Muros e Grades

há 2 anos
imagem do card de noticia

Segurança Pública, Justiça e Cidadania

imagem da noticia

Segurança Pública, Justiça e Cidadania

há 1 ano
imagem da noticia

Segurança Pública, Justiça e Cidadania

há 1 ano
imagem da noticia

Segurança Pública, Justiça e Cidadania

há 1 ano
imagem da noticia

Segurança Pública, Justiça e Cidadania

há 1 ano
imagem da noticia

Segurança Pública, Justiça e Cidadania

há 2 anos
imagem da noticia

Segurança Pública, Justiça e Cidadania

há 2 anos
imagem da noticia

Segurança Pública, Justiça e Cidadania

há 2 anos
imagem da noticia

Segurança Pública, Justiça e Cidadania

há 2 anos