Por Mário Luiz
Em 26/08/2023 às 07:00Nesse último dia 24 de agosto tivemos mais um capítulo do famigerado julgamento pelo STF do Recurso Extraordinário nº 635.659, no qual se aprecia a descriminalização do delito de porte de drogas para consumo próprio (artigo 28 da Lei 11.343/06).
Sobre as razões invocadas pelos ministros da Suprema Corte, eu tratei em uma outra postagem dessa coluna: https://www.engeplus.com.br/colunista/seguranca-publica-justica-e-cidadania/2023/descriminalizacao-do-porte-de-droga-para-consumo
No momento o placar está 05 votos pela descriminalização e 01 voto para manutenção do crime.
Votaram pela descriminalização os ministros: Gilmar Medes (relator); Edson Fachin, Luís Roberto Barroso; Alexandre de Moraes e Rosa Weber. Pela constitucionalidade do delito, votou o ministro Cristiano Zanin. O próximo ministro a votar será André Mendonça.
Além das questões do reflexo na criminalidade – que já abordei da postagem acima citada – outra questão é imperiosa trazer à baila nessa discussão: De quem é o poder de dizer o que é e o que não é crime?
Mas antes de responder essa indagação, faz-se necessário um recorte para uma reflexão sobre os poderes do Estado.
Desde o fim do Absolutismo no ocidente – que teve como marco a Revolução Francesa (1789) – as funções dos Estados Contemporâneos passaram a ser distribuídas harmônicas e independentes entre três Poderes: Legislativo (legislar e fiscalizar), Executivo (administrar) e Judiciário (julgar os conflitos).
É a denominada Tripartição do Poderes.
Isso em apertada síntese, pois o tema é deveras complexo. Quem tiver o desejo de aprofundar os estudos sobre a repartição das funções entre os Três Poderes, em especial no Brasil, recomendo o livro de minha autoria: O hiperpresidencialismo no constitucionalismo democrático brasileiro. Disponível em: https://www.amazon.com.br/hiperpresidencialismo-constitucionalismo-democr%C3%A1tico-brasileiro-provis%C3%B3rias-ebook/dp/B0BMBCBSYT
Mas qual a ORIGEM desses poderes do Estado?
Em um Estado Democrático de Direito, o titular do poder não é o próprio Estado, mas sim o POVO.
Como assim?
Simples! Um Estado Democrático de Direto é aquele em que a democracia é a pedra fundamental.
E o que é democracia?
Em síntese: democracia é o governo no povo. As decisões são tomadas pelo povo.
Diferente de um Estado autoritário, no qual as decisões estão nas mãos de uma ou de algumas pessoas, nos Estados democráticos as decisões são de titularidade do povo.
Essa concepção de democracia tem sua gênese nas Cidades-estados gregas, em especial em Atenas, há mais de 25 séculos.
Naquele tempo, os cidadãos (obs.: poucas pessoas eram consideradas cidadãs) tomavam as decisões políticas nas praças, através de votações. Eram as denominadas Ágoras.
Evidentemente que nos dias de hoje a democracia popular não seria viável como o foi há mais de 500 anos antes de Cristo.
Com efeito, a fim de compatibilizar titularidade do poder do povo, com o agigantado número de cidadãos de um Estados, emerge o conceito de democracia representativa. Nesta o povo não manifesta a sua vontade diretamente (como na Grécia Antiga), mas sim através de representantes eleitos.
Ou seja, o povo elege seus representantes para que estes façam valer as suas vontades na condução do Estado.
Dito de outra forma, os cidadãos outorgam um mandato para que determinadas pessoas – por eles escolhidas de maneira majoritária – represente-os nas tomadas de decisões políticas.
Seguindo a nossa reflexão sobre o tema proposto, agora faz-se necessário cotejar democracia com repartição de poderes do Estado.
Dos Três Poderes do Estado, apenas o Executivo e o Legislativo são eleitos democraticamente pelo povo. Os membros do Poder Judiciário ingressam por concurso público ou indicações.
E é nesse ponto que o tema em epígrafe ganha relevo: De quem é o poder de dizer o que é e o que não é crime?
Em um Estado Democrático de Direito, as decisões políticas fundamentais, que refletem sobremaneira nas relações sociais, devem ser tomadas pelos povo, logo quem define as condutas que devem ser consideradas criminosas e reprimidas pelo direito penal é o povo, pois esse é o titular de todo poder político. E, como já tido, em uma democracia representativa, o povo manifesta sua vontade através de seus representantes eleitos.
Assim, o Supremo Tribunal Federal carece de LEGITIMIDADE POPULAR para definir o que é e o que não é crime. Essa tarefa cabe aos Poderes Eleitos pelo povo.
A nossa Constituição Federal de 1988 é taxativa em asseverar que matéria criminal deve ser discutida, votada e aprovada pelo Poder Legislativo Federal (Deputados e Senadores) e, posteriormente sancionada pelo Poder Executivo Federal (Presidente da República), nos termos de seus artigos 22, inciso I, 48, 61 e 66.
Bem verdade que essa mesma Constituição afirma que compete ao STF analisar e garantir a constitucionalidade das leis (artigo 102). Contudo, não se mostra LEGÍTIMO (em uma perspectiva de legitimidade popular) que 11 Ministros da Corte Judiciária digam que uma conduta deixará de ser crime, tendo esta sido discutida e aprovada por 513 Deputados e 81 Senadores e posteriormente sancionada pelo Presidente da República, os quais foram eleitos democraticamente através do voto direto, secreto e universal por milhões de cidadão brasileiros.
Em uma democracia, quem define a forma de se viver em sociedade é o povo. Quem define as condutas que serão aceitas ou reprimidas pelo Estado, através do direito penal, é o povo. O povo estabelece como devem ser as relações socias.
Como já dito alhures, os poderes do Estado na verdade não são DO Estado. São do POVO.
Em uma democracia, decisões políticas fundamentais, as quais impactam na vida da sociedade da forma como é o tema em epígrafe, só serão LEGÍTIMAS se emanarem do povo (diretamente ou através de seus representantes).
Nessa mesma toada é discussão sobre a legalização do crime de aborto (tema que também já circulou pelos escaninhos do STF).
Temas como esses somente terão legitimidade democrática se emanarem de manifestações conjuntas dos Poder Legislativo e Executivo, nossos representantes políticos para tratarem de matéria criminal.
Por hoje era isso. Minha respeitosa continência a todos e até a próxima.
Tenente-Coronel Mário Luiz
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